TRF4 confirma condenação da Petrobrás por vazamento de petróleo em 2000: o maior acidente ambiental no Paraná

Captura de Tela 2019-10-07 às 22.13.39.pngA 3ª e 4ª Turma do  Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) , com sede em Porto Alegre, em sessão conjunta, mantiveram, por maioria, a condenação da Petrobrás pelo vazamento de óleo ocorrido em 16 de julho de 2000, no município paranaense de Araucária, alguns meses depois de um grande desastre na baia da Guanabara. A decisão mantém a obrigação da estatal recuperar as áreas atingidas pelo vazamento e pagar indenizações que chegam a cerca de R$ 610 milhões, valor a ser corrigido,  que serão destinados o Fundo Estadual do Meio Ambiente do Paraná.

O julgamento finalizou em dia 11 de setembro e o acórdão foi publicado em 2/10/2019.  O colegiado da 4ª Turma iniciou o julgamento, continuado em sessão ampliada com a participação dos integrantes da 3ª Turma. Foram analisados recursos contra a sentença única da lavra do Juiz Federal Flávio Antonio da Cruz, da Vara Ambiental Federal de Curitiba, que julgou três ações civis públicas, discutindo danos ambientais e outras providências, envolvendo derramamento de óleo cru durante operação de transferência de petróleo do terminal marítimo existente em São Francisco do Sul (SC) para a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REFAR), em Araucária (PR).  Os proponentes das três ações foram o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual do Paraná, o IAP – Instituto Ambiental do Paraná, e uma terceira proposta pela ONG Aramar.

Houve o  rompimento de junta de expansão do oleoduto, que provocou o derramamento de aproximadamente quatro milhões de litros de óleo, que atingiu os rios Barigui e Iguaçu, e causou danos ambientais de grande monta, com prejuízos à flora, à fauna, aos solos, às águas e ao ar.  Durante o processo tornou-se claro que o oleoduto não tinha atualização há 30 anos e era usado sem o licenciamento ambiental ou diques de contenção.  A Petrobrás levou onze horas para informar o acidente à Defesa Civil e outros órgãos.  O acidente ocorreu em área de preservação permanente com grande valor ecológico.

O petróleo se espalhou até as proximidades do município de Balsa Nova, a mais de 40 km rio abaixo. Nos dias que sucederam ao vazamento, o cenário era de destruição. Em alguns trechos era possível ver a mancha escura do óleo cobrindo o leito do rio e muitos animais mortos. Foi o maior acidente ambiental do Paraná.

O Juízo reconheceu a responsabilidade da estatal pelo acidente e condenou a empresa a tomar uma série de medidas para reparar a fauna e a flora local, promover a descontaminação das águas e do solo e monitorar a qualidade do ar da região, além de estipular o pagamento de danos morais coletivos para a população paranaense. A sentença, de 2013,  ainda determinou que os valores fossem revertidos para o Fundo Estadual do Meio Ambiente (FEMA).

A Petrobrás recorreu ao TRF4 pleiteando a reforma da sentença, mas o tribunal manteve a condenação.

A empresa se defendeu afirmando que já teria investido R$ 200 milhões na remediação dos danos nas áreas atingidas e compras de áreas limítrofes de forma que pudesse  tambem recuperá-la integralmente. A defesa admitiu que foi o maior acidente da Petrobrás e que teria ocorrido por falha humana. O sindicato dos trabalhadores à época dos fatos denunciou o sucateamento da empresa, com a redução do número de trabalhadores. “Nunca deixou de reconhecer a existência do dano”, disse a advogada da empresa.

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O relator no Tribunal, desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior, ressaltou que as provas produzidas durante a ação não deixaram dúvidas quanto às falhas ocorridas no oleoduto operado pela Petrobrás, e que embora a estatal tenha comprovado que vem adotando providências para recuperação da área degradada, “elas não alteram o que foi decidido na sentença nem justificam isenção, mitigação ou redução da indenização”.

Relatou o Desembargador Cândido que o derramamento não foi imediatamente contido pelas Petrobrás, tendo vazado diretamente para o ambiente por pelo menos uma hora e 45 minutos, espalhando-se por grande extensão de área (quase 300 hectares) sem ser impedido nem ter ponto de contenção, sendo acelerado pelas peculiaridades das áreas atingidas (encosta, planície e bacias hidrográficas.

O magistrado também frisou que a biorremediação (processo pelo qual organismos vivos reduzem contaminações no ambiente) mencionada nos autos pela estatal, “ainda que importante, não afasta nem reduz a responsabilidade da Petrobrás pela reparação integral dos danos e recuperação dos ecossistemas atingidos, não podendo o infrator-poluidor se beneficiar apenas porque a natureza tenha encontrando caminhos para se recompor”.

Para o Desembargador Cândido, houve conduta ilícita (negligente e imprudente), que deu causa aos danos de grandes proporções.

O cálculo final dos valores a serem pagos, atualizados com juros e correção monetária, serão realizados na fase de execução da sentença.

Ainda cabe recurso da decisão no tribunal.

  • Abaixo o Acórdão na íntegra

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5071436-43.2014.4.04.7000/PR

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

APELANTE: PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS (RÉU)

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ (AUTOR)

APELADO: OS MESMOS

INTERESSADO: VITÓRIO SOROTIUK (INTERESSADO)

ADVOGADO: VITÓRIO SOROTIUK

ADVOGADO: GENESIO FELIPE DE NATIVIDADE

EMENTA

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PETROBRÁS. REFINARIA PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS, EM ARAUCÁRIA (PR). OLEODUTO. DERRAMAMENTO DE ÓLEO CRU. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E REMANESCENTES DE MATA ATLÂNTICA ATINGIDOS. DANOS MATERIAIS (FAUNA, FLORA, AR, SOLO E ÁGUAS). DANOS MORAIS COLETIVOS. OBRIGAÇÕES DE FAZER. REPARAÇÃO DOS DANOS. REMEDIAÇÃO AMBIENTAL. DESTINAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PARCIAL PROVIMENTO.

1- OBJETO DOS RECURSOS. Este julgamento trata de sentença única, que julgou três ações civis públicas, discutindo danos ambientais e outras providências, envolvendo derramamento de óleo cru ocorrido em 16 de julho de 2000, durante operação de transferência de petróleo do terminal marítimo existente em São Francisco do Sul (SC) para a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REFAR), em Araucária (PR), em razão de rompimento de junta de expansão do oleoduto, que provocou o derramamento de aproximadamente quatro milhões de litros de óleo, que atingiu os rios Barigui e Iguaçu, e causou danos ambientais de grande monta, com prejuízos à flora, à fauna, aos solos, às águas e ao ar.

2- COGNIÇÃO JUDICIAL. A complexidade da causa, o tamanho da instrução e a longa tramitação do processo trazem dificuldades para organizar as questões litigiosas, mas isso foi superado pelo juízo, que organizou as questões litigiosas e as apreciou, em sentença ordenada e coerente. O trabalho que se faz no julgamento de uma causa não é fruto apenas de um momento de cognição ou de um único julgador, mas resultado de um conjunto de participantes e operadores jurisdicionais, que participam do processo e contribuem durante sua instrução, cada um deles se somando ao trabalho de cognição anteriormente realizado pelos que os precederam.

3- PRELIMINARES DAS CONTRARRAZÕES. As preliminares suscitadas nas contrarrazões são rejeitada resumidamente porque: (a) as questões sobre limites da lide, sobre danos intertemporais, sobre legitimidade da associação-autora e sobre impossibilidade jurídica de destinação distinta da indenização se confundem com o mérito dos recursos e como tais serão examinadas; (b) os recursos de apelação são tempestivos e válidos; (c) não há ilegitimidade recursal, porque as questões relacionadas direta ou indiretamente à sucumbência interessam não apenas à associação-autora, mas também aos seus procuradores; (d) a situação de impedimento ou incompatibilidade dos advogados da associação-autora é questão a ser resolvida nas instâncias competentes, não impedindo que recebam honorários já arbitrados. Preliminares rejeitadas.

4- AGRAVOS RETIDOS. Os agravos retidos interpostos pela Petrobrás e por ela reiterados nas apelações não devem ser providos porque: (a) não há motivo para desentranhar documentos trazidos por uma das partes, referentes a notícias publicadas na imprensa sobre acidente ocorrido em 1989 com navio petroleiro; (b) não pareceu que a perícia fosse nula ou existissem motivos para sua anulação ou realização de perícia substitutiva; (c) não pareceu que o juízo tivesse cometido excesso quando inquiriu testemunhas arroladas por uma das partes. Desprovimento dos agravos retidos.

5- VALIDADE DA PROVA PERICIAL. Especificamente quanto ao agravo retido que pedia anulação ou substituição da prova pericial, é certo que o Código de Processo Civil estabelece rito processual para a realização das provas, inclusive da perícia (prova técnica por excelência). Esse rito processual deve ser observado porque é direito da parte não ser surpreendida por resultados não previsíveis ou incertos, mas isso não significa que em perícias complexas, como a dos autos, que envolveu dano ambiental de grandes proporções, o juízo não pudesse complementar as prescrições da lei processual e, assegurados os direitos das partes, organizar a produção da prova técnica de modo a que seus resultados fossem atingidos. Aqui o juízo observou o princípio da instrumentalidade das formas, sem prejuízo ao contraditório ou à ampla defesa, e sem surpresas para as partes, exercendo seus poderes de direção processual, saneamento e instrução, ordenando a realização da perícia da melhor forma possível, e assegurando às partes que participassem da produção das provas da forma mais eficiente possível. Portanto, não há motivo para anulação perícia.

6- REMESSA NECESSÁRIA. A remessa necessária é tida por interposta (artigo 475-I do CPC-1973), mas se lhe nega provimento porque não há motivos que justifiquem a reforma da sentença em favor do Instituto Ambiental do Paraná além daquilo que é examinado neste julgamento. Conhecimento e desprovimento da remessa necessária.

7- RESPONSABILIDADE DA PETROBRÁS E CAUSAÇÃO DOS DANOS. As provas produzidas (documentos trazidos, laudos periciais, inspeção judicial e testemunhas inquiridas) não deixam dúvidas quanto à responsabilidade da Petrobrás pelos fatos e à ocorrência de falha grave no serviço operado pela Petrobrás (oleoduto), que causaram o derramamento daquela grande quantidade de óleo, praticamente não havendo controvérsia das partes e dos especialistas quanto à forma como aconteceram os fatos e suas causas, concentrando-se a controvérsia nas consequências desses fatos (danos que foram causados) e naquilo que seria necessário para recuperação e reparação desses danos (provimentos condenatórios).

8- DOCUMENTOS APÓS A SENTENÇA. Embora os documentos juntados pela Petrobrás após a sentença comprovem que vem adotando providências para recuperação da área degradada em 2000, eles não alteram o que foi decidido na sentença nem justificam isenção, mitigação ou redução das indenizações porque: (a) o próprio relatório do evento 30 explicita limitações do estudo e na responsabilidade do especialista que o elaborou; (b) ao contrário de perito judicial, o especialista não assume responsabilidade pelos termos do seu relatório perante terceiro, como explicita no início do estudo; (c) o relatório deve ser considerado como documento unilateral trazido por uma das partes, porque o especialista menciona como metodologia de trabalho que considerou verídicas, confiáveis e exatas as informações e dados passados pela Petrobrás; (d) havendo perícia multidisciplinar, realizada segundo as regras do devido processo, suas conclusões devem prevalecer sobre o relatório trazido pelo especialista de uma das partes após a sentença; (e) a liquidação da sentença é o momento processual oportuno para discutir cumprimento e reparação integrais das obrigações e condenações.

9- IRRELEVÂNCIA DA BIORREMEDIAÇÃO. Também parece irrelevante a “remediação” mencionada pela Petrobrás no relatório do evento 30 porque: (a) o documento foi elaborado unilateralmente, com exclusão de responsabilidade e sem garantia pelo respectivo especialista; (b) a perícia comprovou os danos causados e estes devem ser indenizados, conforme arbitrados na sentença quanto às indenizações ou apurado na liquidação de sentença quanto às obrigações de fazer e ao respectivo cumprimento integral das obrigações de reparação; (c) as medidas de “remediação” e de “biorremediação”, ainda que importantes, não afastam nem reduzem a responsabilidade da Petrobrás pela reparação integral dos danos e recuperação dos ecossistemas atingidos, não podendo o infrator-poluidor se beneficiar apenas porque a natureza estivesse encontrando caminhos para se recompor; (d) é quase intuitivo que a natureza, deixada livre durante 16 anos, consiga absorver, diluir e se recuperar quanto ao ocorrido, uma vez que a dinâmica é a característica fundamental dos ecossistemas e a natureza utiliza sua força vital para buscar novamente seu equilíbrio; (e) a biorremediação ou a remediação que a própria vida faz em si mesma não pode ser computada para afastar responsabilidades ou mitigar indenizações, não podendo o poluidor-infrator se apropriar da energia e do esforço dispendidos pelo ecossistema para cicatrizar suas feridas e tentar restabelecer seu equilíbrio; (f) o monitoramento da recuperação havida nesses 16 anos não afasta as responsabilidades da Petrobrás, que não deve apenas restituir a área atingida ao seu estado original à época dos fatos, mas também deve compensar e pagar por tudo o que se perdeu a partir do acidente até a recomposição da área, aí incluídos os bens ambientais que a natureza e as comunidades atingidas se viram privadas desde o derramamento de óleo; (g) afinal, a reconstrução feita pela natureza do ecossistema atingido e o retorno à condição de equilíbrio ecológico tem um custo (“os seres vivos e os ecossistemas obedecem às leis da termodinâmica”), e esse custo adicional provocado pela Petrobrás deve ser por ela suportado, em benefício das gerações presentes e futuras; (h) a responsabilidade da Petrobrás é maior do que o tradicional princípio do poluidor-pagador porqeu aqui a poluição não era permitida à Petrobrás, não se tratava de atividade licenciada e nem era risco tolerado do negócio que explorava, já que se tratou de conduta ilícita (negligente e imprudente), que deu causa a danos de grandes proporções.

10- GRAVIDADE DOS DANOS E SIMPLICIDADE DAS CAUSAS. A desproporção entre a gravidade dos danos e a simplicidade de suas causas aponta para a possibilidade dos danos terem sido evitados com cautelas simples e o dever da Petrobrás em tê-los evitado. Os danos foram graves porque: (a) foi enorme a quantidade de óleo derramado diretamente para o ambiente, nele permanecendo e criando passivo ambiental de destruição e contaminação; (b) o derramamento não foi imediatamente contido pelas Petrobrás, tendo vazado diretamente para o ambiente por pelo menos uma hora e 45 minutos; (c) espalhou-se por grande extensão de área (quase 300 hectares) sem ser impedido nem ter ponto de contenção, sendo acelerado pelas peculiaridades das áreas atingidas (encosta, planície e bacias hidrográficas); (d) atingiu área de preservação permanente e só não teve consequências maiores porque ocorreu em período de estiagem; (e) derramar quatro milhões de litros de óleo diretamente no ambiente causa danos gravíssimos, como descrito na perícia. Os fatores causadores do derramamento foram simples, perfeitamente evitáveis com as cautelas ordinárias exigidas: (a’) os fatos poderiam ter sido facilmente evitados se fossem resolvidas suas causas; (b’) não houve pronta resposta pela Petrobrás nem contenção do vazamento em tempo hábil, tendo a Petrobrás demorado onze horas para comunicar os fatos à Defesa Civil e aos órgãos competentes; (c’) não havia diques de contenção na área do derramamento, o que seria recomendado considerando a área do scraper ser sensível e exigir maiores cuidados para que eventos como esse não tivessem a dimensão que tiveram; (d’) apenas a Defesa Civil do Paraná atuou nos primeiros dias, sem que existisse pronta resposta ou prévio plano de pronta-resposta da Petrobrás, que operava o oleoduto e a refinaria, destacando-se ainda que o oleoduto não tinha licenciamento ambiental; (e’) se o derramamento não tivesse durado tanto tempo ou tivesse sido imediatamente detectado pelos operadores do oleoduto, visual ou eletronicamente, o evento não teria as proporções que teve.

11- VALOR DAS INDENIZAÇÕES. A indenização foi arbitrada para cada um dos danos produzidos, considerando-se as questões específicas de cada tipo de dano e também as seguintes considerações de ordem geral, que apontam para a inocorrência de valores excessivos ou onerosos, ou que devessem ser reduzidos ou excluídos, a saber: (a) o critério poluidor-pagador não pode servir para cálculo matemático e proveito econômico da empresa para saber se vai continuar poluindo ou se vai correr o risco de poluir ou causar degradação ambiental; (b) o arbitramento de indenização nestes casos, embora não possa ter caráter exclusivamente punitivo, precisa considerar que a reparação não se destina a recuperar bens ordinários (por exemplo, a propriedade danificada), mas a recompor bens ambientais constitucionalmente relevantes (artigo 225 da CF/88); (c) isso justifica que as condenações, prestações e indenizações sejam sérias e consideráveis, reparando integralmente os bens atingidos, e também impactando economicamente no causador direto dos danos e infrator da legislação pertinente, fazendo com que a opção entre prevenir e correr os riscos não caiba num mero cálculo econômico de custo-benefício da adoção ou não de medidas de proteção e prevenção ambiental; (d) o fato de ser pro-ativa e contribuir para tentar mitigar ou reduzir os efeitos danosos e perversos do ilícito após sua causação não parece suficiente para isentar a Petrobrás ou reduzir sua responsabilidade quanto à reparação integral dos danos causados; (e) a condenação em casos de desastres ambientais deve ser pesada e salgada, inclusive com a possibilidade de arbitramento de danos morais coletivos e indenização compensatória pela perda de valores ecológicos inestimáveis, decorrentes da quebra do delicado e valioso equilíbrio ambiental que envolve os remanescentes de Mata Atlântica brasileira (artigo 225-§ 4º da CF/88), sendo que tal reparação integral não envolve apenas a perda de vida, o rompimento do equilíbrio ecológico, a supressão de vegetação e a morte de animais imediatamente decorrentes da contaminação, mas precisa também dar conta de reparar a energia dispendida pela natureza no esforço feito ao longo dos anos para se recuperar e reconstruir aquele tênue equilíbrio rompido; (f) ao contrário dos danos civis, que não admitem caráter punitivo, a indenização pelos danos ambientais tem também dimensão preventiva, já que a atuação estatal não se destina apenas à reparação posterior do dano causado (igual ao dano civil), mas deve também prevenir que o dano aconteça (artigo 225-§ 2º da da CF/88).

12- DESTINAÇÃO DOS VALORES DAS INDENIZAÇÕES. A destinação mais apropriada é que cada uma das indenizações específicas sejam destinadas integralmente ao Fundo que melhor puder empregá-las no cumprimento das providências específicas que justificaram a condenação, já que a ação civil pública foi movida pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, envolvendo discussão de questões que estavam na esfera de competências concorrentes das duas esferas federativas (artigo 23-VI da CF/88), e órgãos federais e estaduais estiveram envolvidos no atendimento imediato às consequências do derramamento de óleo e reparação dos danos. Provimento parcial à apelação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual para determinar que as indenizações que se referem ao artigo 13 da Lei 7.347/85 sejam destinadas ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Decreto federal 1.306/94 (indenizações que se referem a danos à fauna, à flora, às águas, ao ar, ao solo, com utilização específica na recuperação dos bens específicos na região atingida) ou ao Fundo Estadual do Meio Ambiente do Paraná da Lei estadual 12.945/2000 (indenização pelos danos morais, com utilização pelo IAP no Estado do Paraná).

13- DANOS CAUSADOS AOS ANFÍBIOS. Embora não pareça necessária providência específica para repovoamento das populações de anfíbios, a Petrobrás deve indenizar o prejuízo que causou quanto à mortandade de anfíbios por ocasião do derramamento do óleo e no período sucessivo, em que os efeitos do óleo continuaram no ambiente, causando a morte de espécimes e impedindo sua natural reprodução. Provimento parcial à apelação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual para condenar a Petrobrás ao pagamento de indenização por danos ambientais decorrentes das populações de anfíbios atingidas, arbitrando essa indenização na data da sentença em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), com os consectários legais (correção monetária e juros moratórios) estipulados neste julgamento.

14- DANOS CAUSADOS ÀS AVES. Embora as aves tenham sentido os efeitos do derramamento de petróleo de maneira distinta de anfíbios e peixes, também experimentaram danos e mortandade decorrentes da contaminação, da privação de alimentos e de efeitos sobre sua população, alimentação, ciclo vital e reprodução. Provimento parcial à apelação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual para condenar a Petrobrás ao pagamento de indenização por danos ambientais decorrentes das populações de aves atingidas, arbitrando essa indenização na data da sentença em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), com os consectários legais (correção monetária e juros moratórios) estipulados neste julgamento.

15- DANOS CAUSADOS AOS MAMÍFEROS. Embora os efeitos sentidos pelos mamíferos tenham sido distintos do restante da fauna, também experimentaram prejuízos em decorrência da mortandade , das dificuldades parea reprodução e alimentação, inclusive quanto aos obstáculos e transtornos trazidos para essas populações de mamíferos que habitavam áreas de preservação permanente onde foram feitas drásticas, urgentes e duradouras intervenções (por mais de uma década) para recuperação dos danos e remediação da área atingida. Provimento parcial da apelação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual para condenar a Petrobrás ao pagamento de indenização por danos ambientais decorrentes das populações de mamíferos atingidas, arbitrando essa indenização na data da sentença em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), com os consectários legais (correção monetária e juros moratórios) estipulados neste julgamento.

16- DANOS CAUSADOS À FLORA, AOS PEIXES, À QUALIDADE DO AR, AO SOLO E ÀS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS. As indenizações fixadas pela sentença quanto aos danos à flora e à vegetação (R$ 100.000.000,00), aos peixes (R$ 10.000.000,00), à qualidade do ar (US$ 708.750,00), ao solo (US$ 66.825,00) e às águas subterrâneas (R$ 100.000.000,00) devem ser mantidas, porque: (a) os valores estipulados e arbitrados na sentença são devidos, não sendo teratológicos nem excessivos; (b) os critérios adotados pelo juízo são razoáveis e compatíveis com a prova dos autos; (c) não houve na nulidade ou omissão na sentença que justificasse sua anulação; (d) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a condenação simultânea e cumulativa nas obriogações de fazer, de não-fazer e de indenizar na reparação integral do meio ambiente. Desprovimento das apelações da Petrobrás.

17- DANOS MORAIS COLETIVOS: CONFIGURAÇÃO. Houve dano moral coletivo, causado pela Petrobrás, à população do Estado do Paraná, que se viu atingida de forma direta e indireta pelas consequências do derramamento ilícito dos 4 milhões de litros de óleo, destruindo e contaminando ecossistemas relevantes da Mata Atlântica. A prova dos autos conforta essa conclusão porque: (a) há documentos comprovando o alerta da população e sua preocupação com as consequências graves (por exemplo, “alerta do Ibama à população” e notícias da imprensa); (b) as privações, as preocupações e as repercussões a que foi exposta a coletividade, sejam populações ribeirinhas, sejam os demais habitantes do Estado, são suficientes para caracterizar o dano indenizável, já que a perda das comunidades locais e da sociedade estadual envolveu floresta e áreas de preservação permanente em área de Serra do Mar e remanescentes de Mata Atlântica, relevantes para o povo paranaense; (c) os fatos foram amplamente noticiados na imprensa local, estadual e nacional na época dos eventos ilícitos; (d) a Petrobrás contribuíu muito para que o evento ocorresse com aquelas graves proporções e colaborou pouco para que fosse minimizado nos primeiros dias, sendo que os órgãos da Defesa Civil do Paraná e os órgãos de proteção ambiental foram deslocados de suas atividades ordinárias para atender ao evento e minorar-lhe as consequências, o que aconteceu durante todo o período de recuperação da área; (e) os danos morais não se confundem com os danos materiais, estes envolvendo a reparação integrla da área e a compensação do que foi perdido sem que se possa integralmente reparar, e aqueles envolvendo as repercussões que os fatos lesivos tiveram sobre as populações direta ou indiretamente atingidas no estado do Paraná (exposição a notícias sobre o acidente e suas consequências; constatação de lesão a patrimônio ambiental com valor ecológico; privação de serviços de defesa civil e proteção ambiental em outras regiões); (f) a previsão de direito de gerações futuras ao equilíbrio ambiental justifica a proteção desse direito, mediante a indenização pelo dano moral coletivo (artigos 225-caput e 5°-XXXV da CF/88); (g) é necessário que o direito ambiental e seus institutos sejam lidos e construídos a partir de novos paradigmas, compreendendo que o objeto tutelado tem peculiaridades especiais, que autorizam tratamento diferenciado para proteção ambiental; (h) essa indenização não decorre de se considerar a natureza como sujeito de direitos nem se destina à recuperação material dos bens atingidos, mas garante o interesse coletivo e difuso que decorre do equilíbrio ambiental protegido pelo artigo 225 da Constituição, assegurando a reparação integral, sob todos os aspectos, também desses valores imateriais constitucionalmente previstos (gozo pelas gerações presentes e futuras do equilíbrio ecológico-ambiental). Desprovimento das apelações da Petrobrás.

18- DANOS MORAIS COLETIVOS: INDENIZAÇÃO. Acrescentam-se fundamentos à sentença para manter e justificar a indenização de R$ 400.000.000,00 arbitrados para os danos morais coletivos, porque: (a) sentença trouxe um parâmetro para a indenização, com motivação sucinta, mas suficiente, fixado pelo órgão judiciário que teve contato com as partes e com os fatos, está próximo ao local dos danos, conhece de perto o ocorrido, suas circunstâncias e repercussões no Estado do Paraná; (b) esse critério do juízo permitiu debate sobre o respectivo montante, não havendo motivos para redução do valor fixado, já que não ficou demonstrado que o valor arbitrado pelo juízo fosse exagerado ou excessivo e os critérios pretendidos pela Petrobrás não infirmou as conclusões do juízo; (c) o critério pretendido pela Petrobrás de mensuração absoluta do valor do dano não é razoável, porque não se pode considerar apenas o valor absoluto da indenização, mas este deve ser comparado em relação à Petrobrás, seu patrimônio, seu faturamento e as demais circunstâncias econômicas que envolviam a exploração da atividade; (d) o critério de necessária relativização e contextualização da indenização considera a situação concreta e o contexto dos envolvidos no evento, apontando que não se pode ter o valor por excessivamente oneroso para a Petrobrás; (e) o critério da Petrobrás, de considerar outros derramamentos de óleo em outros contextos e outros países também não prova que o valor arbitrado fosse excessivo, porque não se trata de calcular o preço que a Petrobrás deve pagar por poluir, além disso ignorar o caso concreto ocorrido no Paraná; (f) comparado o valor da indenização com outras grandezas envolvendo a Petrobrás e a exploração do petróleo (lucros, faturamento, investimentos, desvios, etc), não parece que o valor seja excessivo ou devesse ser reduzido; (g) não demonstrado o excesso daquele valor, ele é mantido, com o acréscimo de fundamentos, sendo esse valor destinado ao Fundo estadual para ser utilizado em prol da comunidade local e da proteção do meio ambiente do Paraná, retornando assim à população paranaense em serviços e bens de proteção ambientais, compensando a perda imaterial havida em razão do derramamento de óleo. Desprovimento das apelações da Petrobrás.

19- OBRIGAÇÕES DE FAZER DETERMINADAS PELA SENTENÇA. As obrigações de fazer impostas pela sentença devem ser mantidas porque: (a) as técnicas estabelecidas pelo juízo o foram com base na perícia multidisciplinar realizada, sendo que em liquidação de sentença que se deverá discutir se houve recuperação integral das áreas atingidas e dos danos produzidos, até lá valendo os critérios técnicos acolhidos pelo juízo; (b) é do juízo a competência para decidir, ao final, sobre a suficiência do que foi realizado, não podendo se pretender que o juízo ficasse vinculado ao órgão ambiental respectivo, ainda que este deva participar da liquidação e possa contribuir com elementos informativos e conhecimentos técnicos de que disponha; (c) não houve nulidade ou omissão na sentença que justificasse sua anulação; (d) as demais obrigações de fazer impostas pela sentença, não alteradas neste julgamento, são compatíveis com a prova dos autos e devem ser mantidas, discutindo-se em liquidação de sentença se já foram integralmente cumpridas e se houve integral recuperação das áreas atingidas. Desprovimento das apelações da Petrobrás.

20- JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. Não se tratando de condenação imposta à Fazenda Pública, os juros moratórios observam a disciplina específica do Código Civil, sendo devidos desde a data do evento danoso (Súmula 54 do STJ). A correção monetária é devida desde a data da sentença, quando houve o arbitramento dos valores da indenização (Súmula 362 do STJ). Parcial provimento das apelações da Petrobrás para estabelecer que os juros moratórios e a correção monetária, para todas as indenizações arbitradas na sentença e neste julgamento, observarão estes critérios: (a) juros moratórios de 0,5% ao mês (desde a data do evento danoso, em 16/06/2000, até a data da vigência do novo Código Civil, em 11/01/2003); (b)a partir de então, esses juros moratórios passam a ser devidos pela aplicação da variação da taxa SELIC, até o efetivo pagamento; (c) a incidência da SELIC atende também à atualização monetária da indenização, devida desde a sentença (em 25/06/2013), de forma que resta afastada a aplicação do INPC determinada na sentença.

21- PRETENSÃO RECURSAL DA ASSOCIAÇÃO-AUTORA QUANTO À REPARAÇÃO INDIVIDUAL HOMOGÊNEA. Ainda que aparentemente pudesse existir legitimidade ativa da associação para demandar reparação de danos individuais homogêneos de populações ribeirinhas e pessoas que tivessem auxiliado nos esforços de contenção do derramamento (artigos 81, 82, 91 a 95 da Lei 8.078/90), mediante pedido genérico em ação civil pública (Lei 7.347/85), por fundamentos diferentes da sentença não se aprecia agora o mérito de pedidos de reparação individual homogênea porque não constam expressamente da petição inicial, não foram deduzidos pela associação-autora na forma que agora são pretendidos, não constituíram o objeto da demanda, e os pedidos de indenização formulados foram examinados na sentença e neste julgamento. Desprovimento da apelação da Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária.

22- SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E DIVISÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DO PROCESSO 2000.70.00.017448-0. Os honorários advocatícios foram fixados em valor insuficiente e, considerando os critérios legais e as circunstâncias do caso concreto, devem ser majorados. Parcial provimento das apelações de Vitorio Sorotiuk, de Genesio Natividade e de Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária para: (a) arbitrar e fixar em R$ 1.000.000,00 os honorários advocatícios devidos pela Petrobrás à associação-autora e aos seus procuradores, a serem atualizados desde a data da sentença (em 25/06/2013); (b) manter os honorários advocatícios de R$ 40.000,00 fixados em favor do IBAMA, a serem pagos pela Petrobrás, já que não houve recurso do IBAMA a respeito; (c) manter os demais critérios estipulados na sentença quanto às despesas processuais do processo 2000.70.00.017448-0.

23- DISTRIBUIÇÃO DOS HONORÁRIOS ENTRE OS PROCURADORES DA ASSOCIAÇÃO-AUTORA NO PROCESSO 2000.70.00.017448-0. Os honorários deverão ser partilhados entre os anteriores procuradores (atuaram de 2000 a 2013) e os novos procuradores (assumiram o processo a partir da apelação em 2014), na proporção de 4/5 para aqueles e 1/5 para estes. Parcial provimento das apelações de Vitorio Sorotiuk e de Genesio Natividade para determinar que os honorários da sucumbência devidos à Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária e seus procuradores seja partilhada na proporção de 4/5 para os anteriores procuradores (Vitorio Sorotiuk e Genesio Natividade – R$ 800.000,00) e de 1/5 para os atuais procuradores (R$ 200.000,00).

24- QUESTÃO DE ORDEM SOBRE REQUERIMENTO DE ASSISTÊNCIA PELO MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA (PR). Conhecimento e deferimento do pedido de assistência litisconsorcial, processeguindo no feito com os poderes respectivos e recebendo o assistente os processos no estado em que se encontram. Questão de ordem acolhida.

25- Sentença parcialmente reformada, julgando-se os recursos para: (a) rejeitar as preliminares e conhecer das apelações; (b) conhecer e negar provimento aos agravos retidos da Petrobrás; (c) considerar interposta a remessa necessária e negar-lhe provimento; (d) dar parcial provimento à apelação da Petrobrás (apenas quanto à correção monetária e aos juros moratórios); (e) dar parcial provimento às apelações do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual, de Vitorio Sorotiuk, de Genesio Natividade e de Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos a Des. Federal VIVIAN CAMINHA e o Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, acolher questão de ordem suscitada pelo Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR para deferir o pedido de assistência litisconsorcial apresentado pelo Município de Araucária em favor dos autores destas ações civis públicas, (a) rejeitar as preliminares e conhecer das apelações; (b) conhecer e negar provimento aos agravos retidos da Petrobrás; (c) considerar interposta a remessa necessária e negar-lhe provimento; (d) dar parcial provimento à apelação da Petrobrás (apenas quanto à correção monetária, aos juros moratórios e às multas administrativas); (e) dar parcial provimento às apelações do Ministério Público Federal, do Ministério Público Estadual, de Vitorio Sorotiuk, de Genesio Natividade e de Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de setembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por CÂNDIDO ALFREDO S. LEAL JR., Desembargador Federal Relator,

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