Artigo: Se os incêndios florestais…

SE OS INCÊNDIOS FLORESTAIS SÃO EM SUA QUASE TOTALIDADE DE ORIGEM HUMANA E NÃO SÃO ACIDENTES CASOS OCORRIDOS AQUI NO MUNICÍPIO, A PERGUNTA QUE FICA É: QUAIS AS AÇÕES DE PREVENÇÃO QUE MONTENEGRO ESTÁ TOMANDO FRENTE A PRÓXIMA ESTIAGEM QUE SE AVIZINHA?

Por Rafael José Altenhofen (1) 

Na nova realidade climática brasileira, da qual o RS não escapa e pode estar entre os estados mais atingidos, nosso clima privilegiado que conhecíamos está dando lugar a eventos extremos, onde a chuva, antes bem distribuída ao longo do ano,agora passará a vir de uma só vez (como já vivenciamos ano passado e em maio último) e será intercalada por cada vez maiores e mais frequentes períodos não apenas de estiagens, mas inclusive de secas (como já vimos em 2023). Mesmo em período chuvoso, agosto último já foi o mês de mais queimadas registradas no RS desde 2019 (31.404 hectares) (2).

Se o restante do país nesse momento está sendo assolado por incêndios florestais que se propagam com a seca, mas se ao mesmo tempo a origem do fogo é na imensa maioria das vezes de causa humana, intencional, e então criminosa(3), a pergunta necessária é como Montenegro está se preparando para essa perigosa mistura entre propensão ao fogo (quando chegar a estiagem aqui) e pessoas que insistem em colocar fogo em áreas de mata? Se ainda resta dúvida, vejamos alguns exemplos concretos e mitos em relação a casos de incêndios florestais ocorridos em Montenegro. 

No Morro São João são frequentes os casos, em anos passados, de fogo devastando áreas de mata. Numa das vezes em que estive lá, voluntariamente e sem alarde em redes sociais, apagando as chamas, ouvi de dois adolescentes que resolveram me ajudar em combate a um incêndio na região do lago da Pedreira, na face Oeste, que conheciam quem havia posto fogo, pois eram crianças moradoras próximas, e que o fizeram, segundo eles, em troca de pagamento conferido por um senhor que não era dali. Num dos últimos incêndios ocorridos nesse morro, dessa vez iniciado próximo à Rua das Hortênsias, na face Leste, recebi relatos de moradores sobre uma moto com duas pessoas não identificadas passando e ateando fogo.

Ainda assim ouvimos de muitas pessoas, e até de autoridades, a versão de que poderia se tratar de origem natural, a partir de um caco de vidro jogado no mato concentrando raios solares e produzindo o fogo. Essa hipótese é muito improvável [], pois dependeria de condições muito exatas e específicas, que não se verificam devido os tais cacos estarem sujos, enterrados ou junto ao chão ao invés de suspensos, além de sombreados em meio a mata ou ao capim alto. Mesmo que todas as condições necessárias se verificassem, ainda dependeria de algum tipo de vidro específico, como uma lente, e não de uma garrafa quebrada – que é o que se pode eventualmente encontrar no morro.

Já nos incêndios florestais verificados no Morro da Formiga (ou dos Fagundes), onde também já estive apagando chamas por mais de uma vez, essa narrativa muda de versão: lá a origem mais divulgada, e que talvez se pretenda construir no imaginário popular, passa a ser a dos “usuários de drogas” que colocam fogo ao jogarem alguma bituca. Já nas áreas de mata nativa nas cabeceiras dos arroios Montenegro e Alfama, no Bairro Panorama, a narrativa mais utilizada é a do fogo ateado por moradores ao queimarem lixo jogado na área – mesmo que nos raroscasos em que isso ocorra os pontos costumeiros sejam locais com menos vegetação e afastados de onde surgiram os incêndios. Sem contar com o fato que, da mesma forma como no morro São João, terem ocorrido relatos de pessoas estranhas ao bairro circulando no local antes dos focos de incêndio, que surgiram simultaneamente em mais de um ponto da mata.

A implementação da Área de Proteção Ambiental – APA dos Morros (ação com a qual se comprometeu o município em Termo de Ajuste de Conduta – TAC com o Poder Judiciário há mais de duas décadas, de há muito cobrada pelo Ministério Público, defendida pelo COMDEMA em resolução desde 2013 e uma das promessasnão cumpridas do Plano de Governo da atual administração municipal), poderia reduzir tais riscos de incêndios florestais. Infelizmente, na prática, a implantação vem sendo procrastinada ou até prevaricada e há quem acredite que possíveis açõesde uso de fogo para descaracterizar a vegetação nativa sejam tentativas de dissuadir a implantação dessa tão desejada e necessária Unidade de Conservação que tanto faz falta em Montenegro.

Tais narrativas e versões paralelas, mirabolantes, para o fogo intencionalmente ateado acabam sendo convenientes para abafar os casos e as suspeitas de eventual origem intencional, ficando no ar a hipótese de uma prática criminosa infelizmente muito comum no atual contexto brasileiro: a tentativa de uso do fogo para descaracterizar a vegetação nativa e assim fazer com que pretensamente se deixemde incidir determinadas restrições da Legislação Ambiental. Grande engano entretanto, pois a Lei da Mata Atlântica é explícita ao definir que nesses casos vale a situação original da vegetação antes do sinistro – além, é claro, da incidência de responsabilização criminal e do dever de restaurar, inclusive ao proprietário,conferida em conjunto com a Lei de Crimes Ambientais.

Lembrando que de acordo com o Código Municipal de Meio Ambiente de Montenegro (Lei n. 4.293/2005) é proibida a queima ao ar livre de resíduos, em qualquer logradouro do município, e que pela Legislação Federal incêndios florestais criminosos acarretam pena de 2 a 4 anos de prisão.

Feitos os esclarecimentos e a reflexão sobre as estranhas origens e desculpas de alguns para esses incêndios – que destroem patrimônio natural do Município, nossa flora e fauna (muitos animais sempre acabam morrendo neles), prejudicam o solo, as águas, o ar, nosso bem-estar e nossa saúde, ficam então algumas perguntas necessárias: 

  1. Colocar fogo e destruir essas matas nativas e nossos morros e entorno de nascentes “beneficiaria” a quantos no município em comparação com os milhares de prejudicados?
  2. Quem são os poucos a quem interessaria a descaracterização ambiental dessas áreas às custas da destruição da fauna, da flora e de prejuízos à nossa saúde e bem-estar?
  3. Quais as ações concretas preventivas que a Prefeitura, Câmara de Vereadores, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal e COMDEMA estão tomando para se prepararem para essa perigosa mistura vegetação seca e pessoas mal-intencionadas? E se não estão tomando, quando vão começar a tomar?

Em caso de incêndio em vegetação nativa ligue para o 193. Se vires alguém colocando fogo próximo a estradas ligue 191. Se vires alguém colocando fogo na área urbana ligue 194. Se tiveres algum indício de autoria ou ordens para colocar fogo em matas denuncie (pode ser de maneira anônima) ao Ministério Público ou a PATRAM.

 

 

(1) O autor é  Cidadão montenegrino, ambientalista, biólogo, coordenador da ONG União Protetora do Ambiente Natural – UPAN, ex-presidente do Conselho de Defesa do Meio Ambiente – COMDEMA de Montenegro. Mestre em Diversidade e Manejo da Vida Silvestre

(2) “Agosto de 2024 foi o mês com mais hectares devastados por queimadas no RS desde 2019”. Correio do Povo, 12 set. 2024. Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/agosto-de-2024-foi-o-m%C3%AAs-com-mais-hectares-devastados-por-queimadas-no-rs-desde-2019-1.1532537

(3) “Não é apenas o clima: fogo em vegetação só começa com intenção incendiária, alertam especialistas”. O Globo, 11 set. 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2024/09/11/nao-e-apenas-o-clima-fogo-em-vegetacao-so-comeca-com-intencao-incendiaria-alertam-especialistas.ghtml

 

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Jornalista, Porto Alegre, RS Brasil.

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