por Tiago Medina para o Matinal Jornalismo

A construção do condomínio Villa Portal, no bairro Vila Conceição, zona sul de Porto Alegre, causa indignação em parte dos vizinhos da região. Com autorização da prefeitura, 315 árvores foram suprimidas do terreno, que fica próximo à entrada do bairro. No local, o verde dos vegetais dará lugar a 18 casas de luxo com três pavimentos cada, além de espaços destinados à quadra de beach tennis, piscina, coworking, salão de festas e vagas para estacionamento de visitantes.
Empreendimento da All_Inc Incorporações, do grupo Allgayer, o futuro condomínio fica distante cerca de 500 metros do Parque Natural Morro do Osso, ainda dentro de uma zona de amortecimento do parque, contínua à vegetação. Esse tipo de área marca a transição entre locais com intensa vegetação e espaços urbanos e serve, especialmente, como proteção à fauna local – que, nesse caso, não é pequena. De acordo com a prefeitura, no Morro do Osso foram registrados cerca de 65% da avifauna de Porto Alegre.
“Naquela área, precisaria haver maior restrição. É onde a fauna transita. Ali precisa ter restrições, porque existem corredores ecológicos que precisam ser protegidos. Para ter intervenção ali, precisa passar pelo crivo do gestor para o trânsito dessa fauna”, criticou o biólogo e professor da UFRGS Paulo Brack, que publicou um vídeo com a retirada das árvores do local, no fim de agosto. “Isso deveria ser considerado. Infelizmente não foi.”
Foto: Marcela Donini/Matinal
Os trâmites da obra iniciaram-se há pelo menos dois anos e tiveram o aval dos órgãos responsáveis da prefeitura. Conforme o Sumário de Aprovação de Projeto Arquitetônico do projeto, de 2022, documento ao qual a Matinal teve acesso, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) indicava a preservação de 48 árvores no terreno, entre elas espécimes de guapuruvu, cocão, paineira, plátano, jacarandá, jerivá, ipê-amarelo, entre outras. Conforme a All_Inc, a compensação ambiental foi calculada em 1.618 mudas. Parte delas, segundo o grupo, será replantada no próprio terreno ao fim da obra. O restante foi convertido em pecúnia, que é uma espécie de indenização que já teria sido paga ao município, seguindo a Lei Complementar 757/2015. “Todas as exigências foram rigorosamente cumpridas”, afirma nota da All_Inc.
A reportagem questionou a Smamus a respeito de como e onde se dará a compensação e se há exigências específicas por a obra ser feita em uma área de amortização. Não houve retorno até o fechamento desta edição.
“Era lindo e não tem mais nada”
Um morador da área próxima à obra, que pediu para não ser identificado, descreveu o cenário posterior à retirada dos vegetais como desolador. “Quando tiraram tudo, tive uma reação até física, com torcicolo e dor nas costas”, relatou o homem, há mais de dez anos no bairro justamente por conta da grande arborização da região. “Isso era lindo e não tem mais nada.”
Segundo seu relato, entre as árvores retiradas, havia vegetais centenários, com mais de 30 metros de altura. A alteração na paisagem, por conta da remoção dessas árvores, foi objeto de pedido de abertura de apuração ao Ministério Público. “Alguns vizinhos estavam preocupados com a descaracterização do bairro”, revelou o morador da Vila Conceição. Ele aludiu ao caso do guapuruvu cortado no bairro Petrópolis em junho, que causou revolta em parte da vizinhança daquela região, como a Matinal mostrou à época. “Aqui também tinha guapuruvus, vários.” De acordo com o documento de liberação do projeto arquitetônico, havia três, dos quais dois deveriam ser preservados.
À reportagem, ele criticou a liberação do corte em massa das árvores, o que considerou um descaso com o ambiente.
Em 11 de setembro, praticamente todo o terreno já havia sido “limpo”
Apesar das remoções, empresa destaca sustentabilidade do projeto
Por meio de nota, a All_Inc reiterou que todos os trâmites legais foram cumpridos para o empreendimento. “O projeto do condomínio foi devidamente aprovado e licenciado pela Smamus, e não havia no terreno áreas de preservação permanente e tampouco qualquer gravame relacionado à vegetação que impeça a sua supressão, desde que condicionada à compensação, nos termos da legislação”, afirma.
A incorporadora também destaca que o condomínio busca valorizar a preservação e a sustentabilidade. Embasa o conceito na decisão de construir menos da metade do que o permitido pelo Plano Diretor na área – serão 18 casas ante 44 passíveis de autorização. “Este empreendimento será um dos primeiros do Brasil a entregar todas as casas com painéis solares instalados. Cada unidade do Villa Portal será capaz de produzir 11.800 kWh de energia limpa”, ressalta a nota, destacando a redução anual de emissão de CO2, que, em suas contas, chegaria a 2 mil toneladas.
A empresa também pontua que o condomínio terá sistemas de reaproveitamento do uso de água da chuva. Quanto ao impacto da obra, o grupo diz que houve reuniões e conversas com os vizinhos, e que, segundo a All_Inc, “ficou visível que havia uma preocupação maior deles com o impacto visual que o condomínio geraria em seus pátios particulares do que propriamente com o meio ambiente”.
Ao fim, a nota conclui: “Reforçamos o nosso objetivo de integrar, da melhor maneira possível, o empreendimento à Vila Conceição, sempre em atenção e respeito aos limites estabelecidos pela legislação”.
Área que foi desmatada fica no interior do bairro, conhecido por sua arborização | Imagem: Google Earth (maio/2024)
Acionado, MP ainda não definiu se entrará com ação
Desde o início da tramitação dos processos referentes à construção do condomínio, o Ministério Público chegou a ser acionado por parte da vizinhança da Vila Conceição. No entanto, em abril, a promotora Annelise Steigleder, da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, desistiu de dar prosseguimento ao procedimento. No entendimento dela, a obra não apresentava ilegalidades ante o Plano Diretor e percorreu os trâmites administrativos requisitados – o fato também é salientado na nota da All_Inc.
Steigleder deixou a cargo do procurador geral de Justiça, Alexandre Saltz, decidir se haveria elementos para protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Conforme a Matinal apurou, o processo seguia no gabinete do procurador até a semana passada, à espera de análise.
Na quarta-feira, dia 11 de setembro, a vista da rua indicava que boa parte das árvores já havia sido removida. Já em fase de pré-venda, as casas do Villa Portal custarão cerca de R$ 3 milhões cada.
*e-mail: tiago@matinaljornalismo.com.br
Fonte: Matinal Jornalismo. Reproduzido no AgirAzul.com com autorização do Matinal Jornalismo. Assine o Matinal Jornalismo.
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Tristeza infinita com mais essa pequena mata urbana suprimida. É impressionante: o Brasil sufocando por conta de queimadas decorrentes das mudanças do clima e Porto Alegre literalmente colocando “lenha na fogueira”. A hora é de replantar a Mata Atlântica, as espécies do Cerrado e da Floresta Amazônica, não de desmatar! Socorro.
Obrigada, João Batista Aguiar, pela cobertura do caso.
Abraço.
Betânia Alfonsin