Luana da Rosa defende tese acadêmica sobre a vulnerabilidade das mulheres nos eventos climáticos extremos

Sob a lente da justiça socioambiental, nas comunidades em situação de vulnerabilidade,  como as mulheres, principalmente, são afetadas pelas mudanças climáticas?  Em linhas gerais, este foi o objetivo geral da tese de doutorado apresentada à banca nesta quarta-feira pela Bióloga e Mestre em Ambiente e Sustentabilidade pela UERGS, Luana Silva da Rosa

Luana agora é Doutora em Desenvolvimento Rural pela UFRGS com a tese “O que o vento sopra: escrevivências em meio a eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul”. O resultado, depois de 3 horas, da apresentação da tese, dos comentários pela banca, e avaliação pela banca em sala fechada, foi aprovação com aplausos.  Academicamente falando, Luana ainda integra o Grupo de Pesquisa em Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade (TEMAS/UFRGS) e é pesquisadora na área de Justiça Climática e Socioambiental. 

Luana iniciando sua apresentação.
Foto do repórter.

Mas Luana não é “só” Academia: tem uma atuação fortíssima já há anos no Movimento Roessler para Defesa Ambiental, entidade em que é presidente em Novo Hamburgo, RS. E também é vice-presidente do Comitesinos – Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos e  integrante do Consema – Conselho Estadual do Meio Ambiente. 

Banca de várias áreas do conhecimento

A orientação e toda a banca foram só mulheres-doutoras. Foi orientadora da Luana a Professora Lorena Cândido Fleury, Bióloga, Mestre em Desenvolvimento Rural e Doutora em Sociologia. A co-orientadora, Aline Reis Calvo Hernandez, é Psicóloga, Mestre em Educação e Doutora em Psicologia Social e Metodologia. A banca se manifestou nesta ordem: Mariana de Andrade Soares, que é Historiadora, Mestre e Doutora em Antropologia Social; Patrícia Binkowski, Engenheira-Agrônoma, Mestra e Doutora em Desenvolvimento Rural; e  Pâmela Marconatto Marques  possui graduação em Direito e Ciências Sociais, mestrado em Educação e em Integração Latino-Americana e é Doutora em Sociologia. 

O trabalho

Interessante destacar que Luana nestes anos todos de realização do Doutorado mudou algumas vezes de objeto de estudo – inicialmente estava se inclinando a pesquisar sobre as mulheres e a mineração, depois, a Justiça Ambiental na Amazônia, mas os fatos me fizeram voltar os olhos para o Rio Grande do Sul quando soube que em 2022, a agropecuária do Estado perdeu metade da sua produção em função da estiagem, por mudanças climáticas. O que a obrigou a isto foram os fatos acontecendo na frente de todos nós – a Covid e os grandes eventos climáticos acontecidos na região do vale do rio dos Sinos  entre 2023 e 2024, onde reside (além de em grande parte do Rio Grande do Sul). Luana aplicou a metodologia da “antropologia por demanda”, proposta pela pesquisadora  Rita Laura Segato. Sugerido por uma das orientadoras, Luana mergulhou na obra da escritora Conceição Evaristo, que viveu pessoalmente situações de injustiça ambientais. 

Feminista, ‘filha de Iansã’ por sua força de vontade e temperamento audacioso, como observado por vários integrantes da banca de avaliação, Luana fez um trabalho de busca de dados cuidadoso: acompanhou reuniões do poder público e publicações as mídias de grande circulação, analisou um diagnóstico sobre o ciclone de junho de 2023 que a Prefeitura de São Leopoldo disponibilizou; visitou os lugares afetados – em Novo Hamburgo, nos bairros de Canudos e Santo Afonso, e também em São Leopoldo, na  Ocupação Steigleder; entrevistou dezenas de mulheres que contaram suas histórias de vida e também gestores públicos.  A Prefeitura de São Leopoldo colaborou ativamente com a Luana. 

O trabalho buscou analisar “os eventos climáticos extremos do ciclone extratropical de junho de 2023 e as enchentes de maio de 2024 que acometeram o Rio Grande do Sul, sob o prisma da Sociologia Ambiental, em sua dimensão sociológica, das relações sociocomunitárias, malhas de sociabilidade e exercício do controle social“. Também “registrar as memórias ambientais do presente, como antídoto à produção de apagamentos históricos que, no mais das vezes, ancoram eventos ao passado, borrando os efeitos produzidos, como se solucionados estivessem”.

E, ao final, documentar “as estratégias de enfrentamento à emergência climática e ambiental desenvolvidas por “mulheres no caminho das águas”, atendendo à antropologia por demanda, escutando suas histórias, memórias e lutas, documentadas por escrevivências”.

Atual Museu do Rio dos Sinos inundado (mapa)/ Foto cedida pela Prefeitura Municipal de São Leopoldo para a tese.

Conta Luana:

Na noite da enchente causada pelo ciclone, na noite do dia 15 de junho, era por volta de 9 horas da noite, vários lugares do bairro Santos Dumont, onde fica a Ocupação, já tinham alagado. Muitas pessoas já estavam com a casa quase debaixo d’água. Então, se abriu o galpão da Ocupação, que é a parte mais alta da Ocupação Steigleder, para que essas pessoas pudessem se abrigar.

Legenda original, na tese: “A necessidade, na periferia, sempre foi a mãe da criatividade”. Foto da autora Luana.

No início eram em torno de seis famílias, só que a água começou a subir cada vez mais, e lá pela meia noite já tinha em torno de 20 famílias no galpão. E a água entrou no galpão da Ocupação também, e a água já estava chegando no joelho dos adultos, botaram simplesmente as crianças em cima da mesa, e quando viram que a água continuou subindo, e não tinham barcos suficientes na cidade para poder resgatar todas as pessoas – os bombeiros haviam ido lá, mas não tinham conseguido resgatar todo mundo. Então, começou o desespero de o que fazer com essas crianças aqui que estão em cima da mesa, e essa água subindo.

Ilustração e comentário da apresentação desta quarta pela Luana da Rosa.

Aí se conseguiu um barco, através de uma ONG, que foi até lá para resgatar, era apenas um barco, então só deu para resgatar as crianças. E foi um momento bastante apavorante para essas crianças e para esses pais porque foram em torno de 20 crianças colocadas dentro de um barco. Tiveram que cobrir essas crianças com uma lona para que elas não se assustassem, porque eram crianças pequenas, algumas crianças de colo, inclusive, e essas crianças foram levadas para uma região seca.

Enquanto isso, os pais dessas crianças ficaram até às 7 horas da manhã para conseguirem ser resgatados ali. Então, sofrendo com hipotermia, inclusive, tiveram que amarrar roupas para conseguir sair dali, não ser arrastados pela forte correnteza.

Então, eu trago uma parte na minha tese também, onde eu falo que essas pessoas amarraram tecidos para que o tecido da vida não fosse rompido nesse momento. Então, não houve nenhum óbito na Ocupação Steigleder porque eles se uniram para poder passar por esse momento.

Rua Elvira da Conceição, bairro Canudos. 4/5/2025. Ao fundo, o colégio onde Luana estudou no ensino fundamental. Foto da própria. (no mapa)

Luana percorreu o ‘Caminho das Águas’, no bairro Canudos, em Novo Hamburgo, onde viveu sua infância, observando as mulheres sempre com crianças.  Conversou com cinco sobre suas histórias de vida.  

A Danusa não foi uma atingida pelas enchentes, mas ela foi voluntária na rede de solidariedade junto comigo. Então, uma parte dessa entrevista com ela, dessa história que ela me conta, ela me diz:

“Então, são várias situações de encontrar as pessoas na rua e falar com elas, e elas olharem pro nada. E ao olhar no olhar delas, a gente vê a falta de esperança de que elas não estão acreditando naquilo que passou.

E o clima de destruição, parece que tinha acontecido uma guerra. Tudo destruído, tudo.

Em lugares que [a água] nunca tinha chegado antes.

E a gente via, passava pela frente da casa das pessoas, e via que elas não conseguiram entender ou não queriam acreditar no que tinha acontecido.

Outro relato de mulher que a Luana refletiu  em sua defesa de tese  foi a história  da  Carol, que estava na sala durante sua apresentação.

A Carol morava no município de Três Coroas e se tornou uma refugiada climática, porque ela teve que sair da sua casa por conta de um deslizamento, e não pôde retornar. Então, sobre esse deslizamento, ela relata o seguinte: 

“Eram sete horas da manhã quando acordei com galhos de árvores estralando. Só que eles não caíam. Aquilo começou a me intrigar. E veio um pensamento:  ‘São as raízes das árvores quebrando. Vai descer terra. A gente tem que sair correndo daqui’.”

Quando começou a descer a terra, Lucas só gritou: ‘Carol, corre aqui!’.  Era muito barulho. Era um barulho muito alto de galhos se quebrando como num liquidificador.  E aí, desceu uma avalanche de terra do morro. 

Hoje, a Carol mora no município de Rolante, o que teve que se mudar em função desse problema climático.

Foto da autora Luana

Ao final da apresentação, aqui muito resumida para criar curiosidade ao leitor do AgirAzul.com, Luana citou Airton Krenak: “a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sobre poder contar mais uma história”. ‘Se pudéssemos fazer isto, estaríamos adiando o fim’.

Ao final dos trabalhos, Luana disse ao AgirAzul.com: “As arguições foram muito sensíveis e positivas, e por vezes tive que conter as lágrimas de emoção ao ouvir a banca discorrer sobre a potência do meu trabalho. Foi uma pesquisa realizada em tempo real, seguindo o rastro dos eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul. Ouvir o resultado da aprovação, acompanhado de tantos elogios da banca, me fez chorar de emoção”.

O trabalho será colocado em algumas semanas na plataforma Lume, da UFRGS, para divulgação pública dirigido aos interessados. 

Texto do Jornalista João Batista Santafé Aguiar  Assine o Canal do Jornalismo Ambiental no Brasil e no Mundo no WhatsApp – todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos e envio de materiais para neste link.

Editor

Jornalista, Porto Alegre, RS Brasil.

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