Município de Porto Alegre é condenado à remoção de asfalto no entorno da Igreja das Dores

Prefeito de Porto Alegre asfaltou o entorno da tombada Igreja das Dores – um dos argumentos foi que o piso das vias de transito no local estavam mal-conservadas e que haveria aumento do movimento diante da mudança do gabinete do Prefeito para a região; IPHAN determinou a retirada do asfalto, e a Prefeitura entrou na Justiça entendendo que tinha o direito de asfaltar. IPHAN argumentou que a Prefeitura confessou o fato e solicitou judicialmente a retirada do asfalto, o que foi deferido na Justiça. Cabe recurso.

A 9ª Vara Federal de Porto Alegre condenou o Município de Porto Alegre a remover a camada de manta asfáltica no trecho da Avenida Padre Tomé, localizado entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro. A restauração da via por meio da aplicação de paralelepípedos também deverá ser realizada.  A sentença, publicada em 19/9, é do juiz Bruno Brum Ribas.

O Município ingressou com ação narrando ter recebido, em 12 de janeiro de 2022, uma solicitação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para que as obras de asfaltamento da Avenida Padre Tomé fossem paralisadas. Alegou ter sido surpreendido pela determinação da autarquia federal para que se responsabilizasse pela remoção da camada asfáltica do trecho, sob justificativa de que se tratava de um asfaltamento próximo da Igreja das Dores, local tombado em nível federal. Sustentou que as obras aconteceram para reparar e conservar as vias que estavam em más condições para tráfego e requereu à Justiça a anulação da determinação do Instituto.

O Iphan argumentou que o Município confessou ter sido responsável pela obra em local tombado, desrespeitando diversas ordens administrativas. Argumentou sobre a necessidade de proteção do patrimônio histórico e o poder de polícia administrativa. Informou ter havido tentativa de acordo entre as partes, mas que não teve êxito. O órgão solicitou então a reconvenção, requerendo a remoção da camada asfáltica aplicada no local.

Ao analisar o caso, o juiz observou que a Constituição Federal inclui o patrimônio histórico e cultural como garantia fundamental dos cidadãos, e que compete ao Iphan a missão de promover a preservação e proteção deste patrimônio. O magistrado pontuou que a Portaria Iphan nº 187/2010 estabelece que mesmo em obras de conservação de patrimônio tombados, é necessário que haja o aval do instituto.

Ribas analisou as portarias do instituto que dispõe sobre a delimitação do poligonal e a definição das diretrizes de preservação e critérios de intervenção para a área de entorno do conjunto de bens tombados isoladamente e do sítio histórico das Praças da Matriz e da Alfândega. Ele destacou que o argumento do Município de que já havia asfalto anterior no local não se sustenta. “O fato de já haver alguma anterior irregularidade praticada em relação ao patrimônio histórico não perpetua o direito de dar continuidade às infrações”.

O juiz sublinhou ainda que, diante “do interesse em preservar o objeto de tombamento, deveria a parte autora ter seguido toda a tramitação necessária prevista na legislação, bem como promover a recuperação do traçado da via através de aplicação de paralelepípedos, em respeito às características originárias”.

O magistrado julgou improcedente o pedido de anulação do autor, mas julgou procedente a solicitação de reconvenção do Iphan, condenando o Município de Porto Alegre à remoção da camada de asfalto em trecho da Avenida Padre Tomé, que deverá ser restaurado com a aplicação de paralelepípedos. Cabe recurso ao TRF4.

Texto da Imprensa da JFRS (secos@jfrs.jus.br) PROCEDIMENTO COMUM Nº 5005862-49.2023.4.04.7100/RS

Abaixo, a íntegra da sentença:

Poder Judiciário

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Rio Grande do Sul

9ª Vara Federal de Porto Alegre

PROCEDIMENTO COMUM Nº 5005862-49.2023.4.04.7100/RS

AUTOR: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS

RÉU: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN

SENTENÇA

RELATÓRIO

MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE ajuizou ação anulatória de ato administrativo, pelo procedimento comum, em face do INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, objetivando  a suspensão dos efeitos do Auto de Infração nº A00001.2022.RS em antecipação de tutela e, ao final, a declaração de nulidade do ato administrativo.

Consta da inicial:

“Em 12 de janeiro de 2022, o Município de Porto Alegre foi surpreendido com o recebimento do Ofício Nº 38/2022/IPHAN-RS-IPHAN, para manifestação quanto à obra de asfaltamento da Avenida Padre Tomé, Centro Histórico de Porto Alegre. Segundo oficiado, a obra deveria ser paralisada até que o IPHAN analisasse e se manifestasse acerca da intervenção. De acordo com o referido ofício, o asfaltamento da via seria irregular por se tratar de área localizada no Setor C1 – Igreja das Dores | Avenida Padre Tomé, entorno da Igreja das Dores, bem tombado em nível federal. As bases legais para essa conclusão seriam o Art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37 e as Portarias IPHAN nº 420/2010 e nº 187/2010. Conforme relatado pela Diretoria de Conservação de Vias Urbanas, quando do recebimento do ofício em questão, o serviço de pavimentação já havia sido concluído, não havendo mais qualquer intervenção do ente municipal na região. Ainda, destacou-se que “no trecho desta avenida, objeto em discussão, já haviam diversos ‘panos de asfalto’, especialmente em frente ao Tribunal de Contas do Estado, onde a via estava esburacada e em más condições de tráfego” Desta forma, conforme fotos que seguem em anexo, a intervenção se limitou a fazer reparos na parte em que já havia pavimentação degradada e com remendos em asfalto (trecho da Avenida Padre Tomé entre a Rua Siqueira Campos e a Avenida Sete de Setembro), pelo que não houve qualquer intervenção que tenha inovado quanto ao asfaltamento das vias da região. Em linhas gerais, como bem definido no memorial descritivo do serviço, sua destinação tinha carácter de conservação e manutenção de vias degradadas e em más condições de conservação, sendo executado em áreas de diversas dimensões, em diferentes locais, em parte ou toda a largura do leito viário, a depender da condição do pavimento e a critério da Fiscalização. À vista disso, o Município respondeu ao ofício do IPHAN, destacando que, dentro das suas competências constitucionais, a intervenção se limitou a recuperar trechos viários que já possuíam asfalto de modo a garantir a segurança dos transeuntes (pedestres e motoristas), ou seja, uma mera reforma simplificada. Sua necessidade decorreu também por ocasião da mudança da sede administrativa municipal, para o antigo prédio da Habitasul (Rua General João Manoel), fato apto a ocasionar um aumento considerável no fluxo de pedestres e veículos na região. Desse modo, entendeu que não houve “subsunção jurídica das violações do Ente Municipal, seja por não atrapalhar na visibilidade do bem tombado (Igreja das Dores), seja porque, dito entorno já continha asfalto, cabendo a Secretaria de Serviços Urbanos simplesmente completar a via na sua integralidade”. Apesar de o Município ter informado que sua intervenção se destinou tão somente à manutenção de uma camada asfáltica preexistente que estava degradada e esburacada, o IPHAN, que nunca havia se manifestado sobre intervenções anteriores e nem sobre o estado da coisa à época, expressou o seguinte: “Notificações não foram anteriormente emitidas, uma vez que o entendimento da fiscalização era de que o seu poder de polícia administrativa e as disposições explícitas da legislação e normativas pertinentes poderiam ser pospostos pelo bom censo e pela presunção de que os remendos e retoques no pavimento, feitos em material diverso do original, se tratavam de intervenções urgentes e paliativas, com possibilidade de remoção e poucos danos ao pavimento tradicional. Entretanto, vê-se que a municipalidade escolheu, em detrimento de realizar uma obra que recuperasse o pavimento tradicional, com a recomposição das bases de apoio e recolocação dos paralelepípedos, encobrir a pavimentação em pedra com camada asfáltica e, de forma ainda mais surpreendente, sem realizar consulta prévia junto ao IPHAN.” Em resposta ao ofício enviado pelo Município de Porto Alegre, sobreveio o Ofício nº 135/2022 do IPHAN-RS, dando conta que “a solicitação de regularização da obra de asfaltamento de parte da Avenida Padre Tomé foi indeferida”. 10. Assim, foi encaminhado o Auto de Infração n° A00001.2022.RS, firmado com base no Parecer Técnico n.º 12/2022/COTEC IPHAN-RS/IPHAN-RS, o qual utiliza como fundamento legal o Decreto Lei 25/1937, nos artigos 17 e 18. Fundamenta-se, também, em uma interpretação extensiva e por analogia, respectivamente, das Portarias do IPHAN 483/2016 e 420/2010. “Pavimentação com asfalto de parte da avenida Padre Tomé, localizada no Setor C1 – Igreja das Dores | Avenida Padre Tomé, do entorno dos bens tombados no Sítio Histórico de Porto Alegre/RS. A substituição dos pavimentos tradicionais é vedada, segundo o Art. 12 da Portaria 483/2016 que dispõe sobre as diretrizes para a área de entorno dos bens tombados no Sítio Histórico de Porto Alegre.” Foi apresentada defesa prévia pelo Município, reafirmando todas as ponderações feitas anteriormente. Por meio de manifestação técnica da DCVU (Divisão de conservação de vias urbanas), destacou-se que seria impossível a recuperação da via ao seu estado original, sugerindo e colocando-se à disposição para assinar Termo de Compromisso de Conduta que imputasse uma obrigação alternativa ao Município, diante do prejuízo concreto que a penalidade pretendida pela Autarquia Federal traria ao Município e aos cidadãos de Porto Alegre. A despeito da defesa prévia apresentada pelo Município, o julgamento do seu mérito restou ignorado, de modo que o réu focou apenas na proposta subsidiária de celebração de Termo de Compromisso. Além disso, por meio do Ofício nº 734/2022, o réu encaminhou minuta de Termo de Compromisso que em nada atendia ao proposto pelo Município e mais gravosa que as disposições inicialmente previstas no auto de infração Após nova manifestação jurídica do Município, encaminhada ao IPHAN, foi apresentada nova minuta de termo de compromisso, prevendo a responsabilidade do ente municipal pela “remoção da camada asfáltica aplicada no trecho da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro, que totaliza 1840m²” Apesar dos encaminhamentos realizados, o Município de Porto Alegre tem pela juridicidade dos atos praticados, fortes nas suas competências constitucionais e legais, de modo que conclui não ter incorrido em qualquer ilegalidade no sentido de afrontar bem tombado pelo IPHAN. Em virtude disso, ingressa com a presente ação no sentido de ver reconhecida a ilegalidade do Auto de Infração n° A00001.2022.RS, pelos fundamentos a seguir expostos. Antes da demonstração dos fundamentos jurídicos que endossam os atos do município, cabe destacar uma curiosidade: somente em 6 de julho de 2022, o IPHAN editou a Portaria nº26 em que prevê que nas intervenções em logradouros públicos da área de entorno de bens tombados, será vedada a remoção das pavimentações tradicionais nos espaços públicos vinculados aos bens tombados, exceto em casos de conservação e restauro, quando poderão ter peças substituídas por outras com as mesmas características das existentes (material, forma, cor, tamanho etc.) Além de tardia, pelo menos no que toca à regulação do caso posto, a referida portaria nada mais importa do que uma manifesta confissão do IPHAN de que, antes dela, não havia nada que vedasse a prática realizada pelo Município no sentido de manutenção do asfalto constante da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro.”

Recebidos os autos, foi determinada a intimação do IPHAN para manifestação quanto ao pedido de tutela de urgência. evento 3, DESPADEC1

O Instituto arguiu a ausência dos requisitos para antecipação de tutela. Alegou que o processo segue em instrução na esfera administrativa, que ainda não foi esgotada. evento 6, PET1

O MPF apresentou parecer requerendo o indeferimento da antecipação de tutela. evento 9, PARECER1

Foi proferida decisão indeferindo a tutela de urgência e determinando a citação. evento 11, DESPADEC1

Interposto o AI nº 50135009320234040000, foi deferida em parte a antecipação da tutela recursal para determinar que o IPHAN se abstenha de incluir o Município de Porto Alegre no CADIN em razão do débito discutido, até o seu julgamento definitivo. evento 22, DESPDECOFIC1

O IPHAN apresentou contestação alegando que o autor confessa ter sido responsável pela realização de obra de asfaltamento em trecho tombado em nível federal, conforme o art. 18 do Decreto-Lei nº 25/1937 e Portarias IPHAN nº 420/2020 e nº 187/2010. Argumenta a necessidade de proteção do patrimônio histórico e o poder de polícia administrativa. Refere que o autor desrespeitou flagrantemente as diversas ordens exaradas administrativamente pela autoridade competente. Afirma que infelizmente restou frustrada a tentativa de celebração de acordo entre as partes na esfera administrativa. Apresenta reconvenção, requerendo seja determinada a regularização do trecho da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro, e condenado o Município na obrigação de fazer consistente na remoção da camada asfáltica aplicada no trecho da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro, que totaliza 1.840m², como arbitrameto de multa para eventual descumprimento, sem prejuízo de apuração de crime de desobediência. evento 25, CONTES1

O autor apresentou resposta à reconvenção, requerendo a improcedência. evento 29, CONTES1 Apresentou, ainda, réplica. evento 30, RÉPLICA1

O instituição apresentou réplica em relação ao pedido de reconvenção, contestado pelo Município. evento 33, PET1

Não houve requerimento de produção de provas pelas partes.

O MPF apresentou parecer manifestando-se pela improcedência da Ação Anulatória e pela procedência da reconvenção, a fim de que o Município de Porto Alegre seja condenado a regularizar a via no trecho da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro, que totaliza 1840m², conforme projeto a ser aprovado pelo IPHAN, sob pena de incidência de multa diária. evento 44, PARECER1

Os autos vieram conclusos para julgamento (e45).

FUNDAMENTAÇÃO

 A Constituição Federal inclui o patrimônio histórico e cultural como garantia fundamental dos cidadãos, impondo ao Poder Público, em todas as esferas, e à sociedade em geral, o dever de proteção desses bens, inclusive possibilitando a sua defesa mediante ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF). A proteção desses bens é competência administrativa comum da União, dos Estados e do Distrito Federal e Municípios (art. 23, III, da CF), sendo que compete aos Municípios – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (art. 30, I, da CF), definindo, ainda:  

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Diante da responsabilidade do Poder Público na identificação, preservação e proteção do patrimônio histórico e cultural,  foi instituído o IPHAN, que, nos termos de seu Estatuto, tem como missão e finalidade:

Art. 2º O IPHAN tem como missão promover e coordenar o processo de preservação do patrimônio cultural brasileiro visando fortalecer identidades, garantir o direito à memória e contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico do País.

§ 1º É finalidade do IPHAN preservar, proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro, na acepção do art. 216 da Constituição Federal.

Segundo o Decreto Lei nº 25/1937, nessa mesma linha, constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

Tais bens passam a ser parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, depois de inscrito nos Livros do Tombo, garantindo sua inalienabilidade e indestrutibilidade; não podendo, sequer, ser reparados, pintados ou restaurados sem prévia autorização (Portaria IPHAN nº 420/2010).

Para haver qualquer espécie de obra, mesmo de conservação, é necessário o requerimento de autorização perante a Superintendência do IPHAN no Estado; o que, não ocorrendo, caracteriza infração passível de penalidades. (Portaria IPHAN nº 187/2010).

No caso dos autos, observa-se que há demanda administrativa em curso (processo 01512.000015/2022-84) de fiscalização de bem imóvel – isolado, conjunto ou área de entrono, instaurado em 11/01/2022. 

O Auto de Infração n° A00001.2022.RS (evento 1, OUT2)  descreve a seguinte infração: 

Pavimentação com asfalto de parte da avenida Padre Tomé, localizada no Setor C1 – Igreja das Dores, Avenida Padre Tomé, do entorno dos bens tombados no Sítio Histórico de Porto Alegre/RS. 

A substituição dos pavimentos tradicionais é vedada segundo o Art. 12 da Portaria 483/2016 que dispõe sobre as diretrizes para a área de entorno dos bens tombados no Sítio Histórico de Porto Alegre

Uma das bases legais de fundamentação do processo fiscalizatório é a Portaria IPHAN nº 26/2022 que dispõe sobre a delimitação da poligonal e a definição de diretrizes de preservação e de critérios de intervenção para a área de entorno do conjunto de bens tombados isoladamente e do Sítio Histórico das Praças da Matriz e da Alfândega, situados no bairro Centro Histórico do município de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul (RS), que são objeto de tombamento federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, (a qual entrou em vigor em 1º de agosto de 2022, revogando a Portaria IPHAN nº 483/2016, que já previa sobre a delimitação da área de entorno dos bens tombados), a qual estabeleceu:

Art. 4º Todas as intervenções na área de entorno deverão obedecer às seguintes diretrizes de preservação:

I – garantir a preservação e a valorização da ambiência por meio de critérios de intervenção que controlem os elementos que possam provocar poluição visual ou prejudicar a compreensão do contexto urbano, consolidando o padrão de implantação predominante; e

II – garantir a visibilidade e o protagonismo dos bens tombados por meio da adoção de critérios de intervenção para as edificações e os logradouros públicos inseridos na área de entorno, inclusive parâmetros para a instalação de elementos do mobiliário urbano, de infraestrutura e de telecomunicações, além do disciplinamento da instalação de equipamentos publicitários.

Art. 5º A área de entorno fica dividida nos seguintes 3 (três) Setores de Entorno, estabelecidos conforme suas características e seus critérios específicos, cujas poligonais estão descritas no Anexo IV desta Portaria e representadas no mapa constante do Anexo V desta Portaria:

III – Setor C – Igreja de Nossa Senhora das Dores: constituído pela área definida como entorno da Igreja de Nossa Senhora das Dores, bem tombado individualmente na área central, por sua vez subdividido em 2 (dois) subsetores:

a) Subsetor C1 – Igreja de Nossa Senhora das Dores/Avenida Padre Tomé: constituído pelo quarteirão onde está situada a Igreja, pelas vias que o conformam, e por toda a extensão da avenida com canteiro central que se constitui no eixo de ligação entre o alinhamento da escadaria da Igreja tombada e o muro do Cais, com os quarteirões que a delimitam. É caracterizado pela altura homogênea das edificações de uso institucional militar que delimitam a avenida arborizada, a qual integra a visual do Lago Guaíba a partir do átrio da Igreja, e, no sentido oposto, a perspectiva peculiar que se desenvolve em continuidade à escadaria monumental da Igreja, realçando a sua fachada com as torres ao norte. Nele, predominam prédios que abrigam funções institucionais militares; 

Art. 14. As intervenções em logradouros públicos da área de entorno deverão proceder aos seguintes critérios:

I – será vedada a remoção das pavimentações tradicionais nos espaços públicos vinculados aos bens tombados, exceto em casos de conservação e restauro, quando poderão ter peças substituídas por outras com as mesmas características das existentes (material, forma, cor, tamanho etc.);

Conforme as referidas portarias (nº 483/2016 e nº 26/2022) temos que:

– No tocante à Igreja Nossa Senhora das Dores/Avenida Padre Tomé temos que resta protegido o  quarteirão onde está situada a Igreja, pelas vias que o conformam, e por toda a extensão da avenida com canteiro central que se constitui no eixo de ligação entre o alinhamento da escadaria da Igreja tombada e o muro do Cais, com os quarteirões que a delimitam. 

– Em relação à Igreja Nossa Senhora das Dores/Rua Riachuelo, restam protegidos os  lotes cujas testadas estão voltadas para as ruas que conformam o quarteirão da Igreja a leste e oeste e pelo quarteirão adjacente a sul. 

Diante do ato normativo, inviável a argumentação de que se deu seguimento às obras por questões de conservação e manutenção, uma vez que já havia asfalto anterior no local. O fato de já haver alguma anterior irregularidade praticada em relação ao patrimônio histórico não perpetua o direito de dar continuidade às infrações.

Como bem anotou o Ministério Público Federal em seu parecer, Em relação ao aspecto formal, a alegação do Município de que haveria inovação na Portaria 26/2022 do IPHAN não se sustenta. Primeiro, porque existe base normativa para a proteção ao entorno dos bens tombados desde a edição do Decreto-Lei nº 25/37. Segundo, porque a delimitação e a proteção do entorno dos bens tombados no Centro de Porto Alegre/RS já é expressamente prevista desde a publicação da Portaria nº 483/2016 do IPHAN.

Diante do interesse em preservar o objeto de tombamento, deveria a parte autora ter seguido toda a tramitação necessária prevista na legislação, bem como promover a recuperação do traçado da via através de aplicação de paralelepípedos, em respeito às características originárias. 

Quanto ao argumento de conservação da via como medida de segurança à população, ressalte-se que não há qualquer imposição legal de que as vias do município sejam exclusivamente conservadas por meio de aplicação de manta asfáltica. Logo, em se tratando de via protegida, a conservação pode e deve ser realizada por meio de aplicação e manutenção de paralelepípedos, de forma a manter as mesmas características das existentes para garantir a preservação e a valorização da ambiência, evitando  prejudicar a compreensão do contexto urbano, como definido naPortaria IPHAN nº 26/2022.

Conforme se pode observar do PARECER TÉCNICO N.º 12/2022/COTEC IPHAN-RS/IPHAN-RS, (evento 6, PROCADM2) a análise administrativa concluiu pela inviabilidade de aceitar a intervenção realizada pelo Município, não apenas pelo aspecto formal da ausência de autorização, como pela inadequação da intervenção irregular, refutando as objeções da municipalidade quanto ao fato de já existirem à época panos de asfalto (remendos) sobre o leito da referida Avenida.  Transcrevo:

9.2.1. Ainda que o IPHAN não tenha aplicado os dispositivos da Portaria 187/2010 em relação aos panos de asfaltos executados previamente à obra em questão, esses recobrimentos do pavimento tradicional não eram contínuos e possuíam um caráter emergencial e provisório – vide as imagens que constam do item 26 do documento do Município. 

9.2.2. Já o recobrimento total da Avenida Padre Tomé no trecho entre as ruas Siqueira Campos e Sete de Setembro, consolida a substituição do pavimento tradicional pelo asfáltico, fato que, não só altera as características daquele local, como desqualifica a sua ambiência, desfigurando as características da Avenida Padre Tomé descritas no Art. 5º, inciso III, a) da Portaria nº 26/2022 (ver item 9.1.2.) e lhe concedendo a condição de rua asfaltada qualquer. 

9.2.3. Dito isso repisamos que, ainda que o Iphan não tenha autuado a Prefeitura Municipal de Porto Alegre em razão da aplicação eventual de panos de asfalto ao longo da Avenida Padre Tomé em oportunidades anteriores, a Autarquia, diante da denúncia encaminhada por cidadão, não poderia, de forma alguma se omitir a realizar fiscalização ao local da obra irregular e, com base no apurado – asfaltamento de grande parcela daquela avenida – instaurar o processo administrativo à luz da Portaria Iphan nº 187/2010 

9.2.4. A intervenção realizada não só careceu de prévia autorização do IPHAN, como desrespeitou o contido na Portaria nº 483/2016 e Portaria nº 26/2022, que a substituiu, provocando inequívoca interferência negativa à Igreja das Dores, bem como ao seu entorno, formado pelo conjunto de edificações institucionais de caráter monumental que a ladeiam e criam, tendo a Igreja como protagonista, a ambiência do bem tombado. Como pôde ser visto nas imagens do item 27 do documento do Município, indubitavelmente, a obra executada decorreu na descaracterização da Avenida Padre Tomé e trouxe prejuízos à ambiência da Igreja; 

9.3. Em relação à aludida “impossibilidade de recuperar a via aos seu estado original”, identificamos manifestações do município nos itens 11, 67 a 69. A alegação é de haveria “inviabilidade técnica da reversão ao status quo ante, tal como pretendido pelo réu. Isso porque a equipe técnica da prefeitura garante que há uma impossibilidade fática de cumprimento da decisão imposta pelo IPHAN”. 

9.3.1. Informamos que a solicitação do IPHAN não versa sobre tal, mas sim sobre a recomposição da pavimentação tradicional de forma a recuperar as características daquele local de forma a manter e qualificar a ambiência da Igreja das Dores. Vê-se ao longo dos documentos: Auto de infração (SEI nº 3289172), Parecer Técnico – Portaria 420 de 2010 Anexo 2 12 (SEI nº 3259526), Parecer Técnico 46 (SEI nº 3415328), Ficha de Avaliação – Portaria 187/2010 FA00002.2022.RS (SEI nº 3573307), Nota Técnica 59 (SEI nº 3523739) e Nota Técnica 111 (SEI nº 3912947), que se trata de dano reparável a partir da retirada da camada asfáltica e recomposição da pavimentação tradicional em paralelepípedos. Em nenhum momento o IPHAN requereu a recuperação do pavimento original, mas sim das características da Avenida Padre Tomé cuja pavimentação tradicional é em paralelepípedos.

9.3.2. Sendo assim, cabe a Prefeitura remover o pavimento existente – asfáltico e em paralelepípedos, promover a recuperação das bases de assentamento e construir novo pavimento de paralelepípedos de forma a recuperar as características tradicionais da via. Tal medida garantiria, além da reversão do dano ao patrimônio, o conforto e a segurança de transeuntes e motoristas.

Cito, ainda, como razões de decidir, os fundamentos lançados pelo Ministério Público Federal evento 44, DOC1em seu parecer, da lavra do Procuradro da República, Dr. NILO MARCELO DE ALMEIDA CAMARGO, in verbis:

Em relação ao mérito do ato administrativo, o auto de infração tem como base um Parecer Técnico, firmado por expert técnico no tema, concluindo pela irregularidade do ato promovido pela Prefeitura. Tal parecer técnico somente poderia ser desconstituído por prova pericial, que, hipoteticamente, infirmasse as conclusões dos Técnicos do IPHAN. Contudo, intimado sobre o interesse em produzir provas, o Município de Porto Alegre limitou-se a requerer o julgamento antecipado do processo (evento 41). 

Portanto, tratando-se de questão eminentemente técnica, tem-se que o Município de Porto Alegre não trouxe aos autos elementos aptos para desconstituir o Auto de Infração questionado. 

Em relação ao aspecto formal, a alegação do Município de que haveria inovação na Portaria 26/2022 do IPHAN não se sustenta. Primeiro, porque existe base normativa para a proteção ao entorno dos bens tombados desde a edição do Decreto-Lei nº 25/37. Segundo, porque a delimitação e a proteção do entorno dos bens tombados no Centro de Porto Alegre/RS já é expressamente prevista desde a publicação da Portaria nº 483/2016 do IPHAN. 

Por outro lado, mas com base na mesma premissa, entende-se que reconvenção apresentada pelo IPHAN merece acolhida, pois como referido acima, o Município de Porto Alegre não trouxe aos autos elementos aptos para desconstituir o Parecer Técnico do IPHAN que concluiu pela irregularidade das intervenções feitas pela municipalidade. 

Em relação à alegação do Município de que haveria inviabilidade técnica de reversão ao status quo ante, tem-se que o IPHAN objetiva a recomposição da pavimentação tradicional, de forma a recuperar as características daquele local de forma a manter e qualificar a ambiência da Igreja das Dores, conforme referido pela área técnica da autarquia: “Em nenhum momento o IPHAN requereu a recuperação do pavimento original, mas sim das características da Avenida Padre Tomé cuja pavimentação tradicional é em paralelepípedos. Sendo assim cabe a Prefeitura remover o pavimento existente – asfáltico e em paralelepípedos, promover a recuperação das bases de assentamento e construir novo pavimento em paralelepípedos de forma a recuperar as as características tradicionais da via” (Evento 6-PET1).

 Assim, entendo que resta configurada a infração, sendo esta passível de punição, conforme a legislação específica, na esfera de competência do IPHAN.

Dessa forma, também é procedente a reconvenção oferecida pelo IPHAN postulando a condenação do Município de Porto Alegre na obrigação de fazer consistente na remoção da camada asfáltica aplicada no trecho da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro, que totaliza 1840m², conforme registrado no documento Mapa trecho pavimentado. 

Todavia, relego para a fase de cumprimento da sentença a fixação de prazo para realização da obra e arbitramento de multa pelo eventual descumprimento da obrigação, após diálogo com as partes, objetivando estabelecer um prazo exequível e razoável, permitindo o efetivo cumprimento da obrigação sem gerar nova lide. A obra deverá ser previamente aprovada pelo IPHAN, o qual deve dar orientação e supervisão, se necessário.

Encargos processuais. Os encargos processuais (despesas processuais e honorários advocatícios) deverão ser suportados pela parte vencida (Município de Porto Alegre), porque sucumbente, tudo com fundamento no art. 85, caput, do novo CPC. Os honorários do advogado da parte vencedora (IPHAN) são arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, devidamente atualizado desde o ajuizamento (Súmula 14 do STJ), considerando o disposto no inciso I do § 3º do art. 85 do novo CPC.

DISPOSITIVO

Pelas razões expostas, julgo improcedente os pedidos formulados na inicial e julgo procedente a reconvenção, nos termos do art. 487,1, CPC, para condenar o Município de Porto Alegre à remoção da camada de manta asfáltica aplicada no trecho da Avenida Padre Tomé, entre a Rua Siqueira Campos e a Rua Sete de Setembro, devendo promover a restauração da via por meio da aplicação de paralelepípedos, conservando as características originais do local tombado, com aprovação pelo IPHAN, nos termos da fundamentação.

Encargos processuais pelo Município de Porto Alegre, nos termos da fundamentação.

Publicação e registro eletrônicos. Intimem-se.

Havendo recurso tempestivo, intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Juntados os recursos e as respectivas respostas, apresentadas no prazo legal, remetam-se os autos ao TRF4.


Documento eletrônico assinado por BRUNO BRUM RIBAS, Juiz Federal Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 710018541310v3 e do código CRC 173d1d33.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): BRUNO BRUM RIBAS
Data e Hora: 19/9/2023, às 16:0:4


5005862-49.2023.4.04.7100

710018541310 .V3

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