Especialista em defesa civil responde perguntas depois da live: Muçum e Roca Sales vão testar novo sistema de alertas por celular

Na terça-feira, 6/8, a FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas e a RECA – Rede de Emergência Climática e Ambiental iniciaram os três dias de ‘Diálogos entre jornalistas e especialistas acerca de desastres”. O ciclo continuou nesta quarta e finalizará hoje, quinta (8/8/2024) com o painel intitulado “Voltamos à ‘normalidade’. Quando o desastre acaba?” com a participação de Paulo Brack, coordenador do InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais), Victor Marchizini, do CEMADEN, e a jornalista Karina Gomes Barbbosa e o jornalista Arnaldo Zimmerman. A Professora da UFRGS Eloisa Loose será a mediadora.

Os painéis são transmitidos ao vivo no perfil da FENAJ no YouTube (link). Os dois painéis que já a aconteceram estão disponíveis no mesmo endereço.

A redação do AgirAzul.com recebeu hoje da jornalista Débora Gallas, uma das organizadoras das atividades, duas respostas encaminhadas durante a primeira live sobre “Os alertas foram emitidos. E agora?“. As respostas foram extensas e completas da lavra do participante Reinaldo Estelles, coordenador-geral de articulação da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil junto aos órgãos do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil. Não foi possível, por questão de tempo da live fixado pelos organizadores, o painelista responder durante o evento.

Muçum e Roca Sales, no Rio Grande do Sul, estão incluídos entre os municípios brasileiros que vão testar o novo sistema de alarme via celular a partir deste domingo, 10/8. Os dois foram os mais destruídos durante as enchentes de setembro de 2023 e maio de 2024. Leia notícia com mais esclarecimentos sobre os testes do site Tecnoblog. Causa preocupação, por outro lado, o entendimento de que Muçum e Roca Sales possam ter as residencias construídas na mesma área recém-inundadas duas vezes.

Na resposta a este jornalista, Reinaldo também esclarece a importância dos planos de contingência para a defesa civil funcionar.

Nos esclarecimentos dados à Flávia Aragão, que perguntou sobre como medir a implantação da defesa civil nos municípios, Reinaldo cita endereços na internet com mais informações. As duas respostas foram dadas com muito cuidado e detalhes. Vale a notícia no AgirAzul.com.

As perguntas e respostas se completam e são transcritas aqui com leve edição:

  1.  Joao Batista Santafé Aguiar (editor do AgirAzul.com): Ao Reinaldo, pergunto se há cidades no RS que terão teste dos avisos no telefone e se ele acha mais importante o aviso do desastre ou a preparação para que a população reaja à notícia de evento climático extremo e o desastre deixe de ocorrer

Caro João, obrigado pela pergunta.

Os municípios que terão teste-piloto de funcionamento da plataforma Cell Broadcast são Muçum e Roca Sales.

As ações de preparação para desastres devem estar presentes sempre e em todos os municípios. Essas ações podem ser sintetizadas no Plano de Contingência, que é o instrumento típico destinado à preparação municipal. Este deve conter os seguintes aspectos:

  1. Um cenário que represente risco conhecido da população e dos administradores locais, por exemplo, um rio ou córrego que cruza a cidade, com ou sem histórico de enxurradas ou inundações; um morro com população que vive em cima, nas encostas ou no sopé, uma planta industrial próxima a comunidades, rios ou matas; áreas suscetíveis a incêndios florestais por ação humana ou por secas e estiagens em épocas conhecidas do ano; presença de barragem no município, com população à jusante, dentre outros muitos cenários possíveis;
  2. Descrição de ações que devem ser executadas à medida que o cenário vai se transformando pela ação de um evento (chuva, seca, incêndio, maré alta, subida de rio, encharcamento de encosta etc), por exemplo:  a) rio subiu x cm – aviso específico a pessoas que moram em áreas de risco; b) rio subiu x + 15cm – abertura de abrigos e início de sua preparação, mobilização de ambulâncias, mobilização de efetivo voluntário e de bombeiros, mobilização de cestas de alimentos estocadas e demais equipamentos; c) rio subiu x + 30 cm – interrupção de tráfego em ruas estratégicas, processo de retirada de moradores, mobilização demais órgãos públicos do sistema municipal, mobilização de órgãos de comunicação, etc.
  3. Para cada ação discutida e cadastrada no plano é preciso ter um ou mais responsáveis, que deverão ser mobilizados para executá-las nos momentos indicados neste, em atuação conjunta e articulada com outras ações, de forma que sejam complementares. Por isso o processo de elaboração é tão importante. O documento em si (Plano de Contingência) não é suficiente para mobilizar os responsáveis e as ações necessárias.
  4. É preciso que haja no plano um calendário de treinamento e simulados junto á população para os cenários de risco conhecidos. Sem isso, é muito difícil que a população vulnerável entenda o que é preciso ser feito para sua salvaguarda e seu autossalvamento. Em todo lugar do mundo onde já ocorreram desastres, a maior parte da população é salva por ela mesma, seja de forma individual ou por vizinhos, parentes e amigos. Para isso, é necessária a inclusão de representantes comunitários no processo de elaboração do plano de contingência municipal.
  5. O ideal é que haja um plano de contingência para cada tipologia de desastre. Por exemplo, na região Nordeste, a seca é o desastre mais recorrente, mas, quando chove forte, a água, por características físicas (solo duro e impermeável) e sociais (moradias avançam sobre o leito dos rios secos), causa muitos danos humanos e materiais, pois esse é o cenário perfeito para os desastres por enxurradas que assolam os centros das áreas urbanas locais.

O aviso ou alerta para a ocorrência de um evento (extremo ou não, pois muitas vezes este é normal, mas a área ocupada é que torna a população vulnerável e exposta, causando o desastre – isso é uma distinção importante que deveria ser melhor entendida e transmitida pelos meios de comunicação!) deve existir sempre que necessário, independentemente de haver preparação adequada ou não. Os municípios brasileiros não estão adequadamente preparados em sua maioria, mas não podemos não alertar sobre o que pode acontecer. O ideal é que o aviso/alerta e as condições de preparação existam de forma estruturada.

Acho que ficou clara a importância do Plano de Contingência como forma de preparação municipal. Este instrumento deve ser o fio condutor do sistema municipal de proteção e defesa civil para ações de preparação e resposta a desastres. Não deve se ater somente a desastres resultantes de “eventos climáticos extremos”, pois esses não representam todas as tipologias de desastres. Há desastres tecnológicos e biológicos, por exemplo, que precisarão de planos de contingência.

  1. Flávia Aragão: Existe alguma pesquisa com base nos indicadores de capacidade dos municípios que indique os níveis de desenvolvimento das defesas civis?

Bom dia, Flávia, obrigado pela pergunta!

O melhor estudo que há sobre as capacidades das defesas civis municipais é o “Diagnóstico de Capacidades e Necessidades Municipais”, também conhecido como Projeto Elos (afinal, os municípios são os elos mais importantes do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – Sinpdec), elaborado em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O estudo está disponível para download em https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/protecao-e-defesa-civil/diagnostico-de-capacidades-e-necessidade-municipais-em-protecao-e-defesa-civil.

Sugiro que você também olha o Indicador de Capacidades Municipais (ICM), disponível em https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/protecao-e-defesa-civil/icm. Este instrumento tem um alcance mais amplo sobre as capacidades dos municípios em gestão de riscos de desastres (GRD) e Redução dos Riscos de Desastres (RRD), o que fortalece sua resiliência e sua adaptação. As variáveis aqui dispostas são ligadas diretamente às diversas políticas públicas que estão mais relacionadas à GRD e RRD à luz do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec).

É importante notar que as capacidades das defesas civis não tem a ver diretamente com sua condição financeira ou socioeconômica ou de localização. As capacidades das defesas civis estão diretamente relacionadas com sua capacidade de articulação nas três esferas governamentais, ou seja:

  1. precisam ter uma estrutura mínima de funcionamento (varia muito de município a município);
  2. os agentes públicos e as comunidades precisam ter conhecimentos adequados às suas realidades (técnicos e tradicionais) sobre GRD e RRD e;
  3. as defesas civis locais precisa ter governança sobre suas ações, projetos e planejamentos junto às esferas da administração pública.

Há outras iniciativas em diversos órgãos públicos (MDS, Cemaden, MCidades e outros) que tratam de melhorar todos os aspectos relacionados à GRD e RRD. Sugiro uma pesquisa para aprofundamento sobre suas ações.

Como diz o lema da defesa civil, “Defesa Civil somos todos nós”!

A editoria do AgirAzul.com agradece aos organizadores do evento o envio dos esclarecimentos solicitados. Recomenda-se assistir aos três painéis. O terceiro e último será transmitido hoje a noite. Veja mais detalhes a seguir.

Veja também:

Jornalistas e especialistas debatem cobertura de desastres – programação

Canal da FENAJ no YouTube

Link direto para o painel de hoje, 19h – Live 3 – Dia 08 de agosto – Voltamos à “normalidade”. Quando o desastre acaba? Debatedores: Paulo Brack – Pesquisador na área de políticas públicas em biodiversidade e meio ambiente – UFRGS Victor Marchezini – Pesquisador na área de sociologia dos desastres – CEMADEN Karina Gomes Barbosa – Jornalista, acompanha desastres da mineração Arnaldo Zimmermann – Jornalista, cobriu desastres em Santa Catarina Moderação: Eloisa Loose – UFRGS/RECA

Redação do Jornalista João Batista Santafé Aguiar  Assine o Canal do AgirAzul.com no WhatsApp – receba todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos e envio de materiais para o AgirAzul

Editor

Jornalista, Porto Alegre, RS Brasil.

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