Pesquisadores gaúchos e catarinenses publicam carta na Science denunciando eliminação dos campos naturais de Santa Catarina por empresas do setor florestal; criticam as empresas certificadoras

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Autores de carta afirmam que “empresas do setor florestal que se apresentam como ambientalmente sustentáveis eliminam campos naturais de Santa Catarina, como a Klabin, que ajudou a destruir 50 mil hectares de campos entre 2008 e 2023″.

A denúncia foi publicada na edição desta quinta-feira, 10 de julho de 2025, na revista Science, a mais respeitada revista científica do mundo, e vem assinada por um grupo de pesquisadores catarinenses e gaúchos. Eles criticam, em carta dirigida à Revista, as certificadoras dizendo que elas têm falhado ao não exigir das empresas maiores compromissos com a conservação dos campos naturais, especialmente aquelas que se apresentam como “verdes”. “Evidências científicas e o cumprimento da legislação ambiental mais protetiva deveriam servir como base para certificar as empresas”, dizem os autores da denúncia.

O texto publicado na Science ressalta que os campos de altitude do sul do Brasil, inseridos no bioma Mata Atlântica, são protegidos por legislação federal. Mas em Santa Catarina – estado que concentra a maior extensão desse ecossistema — uma lei estadual sem embasamento científico restringe essa proteção a áreas situadas acima de 1500 metros de altitude. Isso deixa 96% dos campos restantes desprotegidos. “Empresas do setor florestal como a Klabin, por exemplo – multada pelo Ibama em 2024 -, se aproveitam dessa brecha legal para transformar campos naturais em plantações de pinheiros exóticos”, dizem os autores, que pedem a revogação da lei de estadual.

Ação no STF — O Procurador-Geral da Justiça Paulo Gonet Branco propõs junto ao Supremo Tribunal Federal, em 24 de abril de 2025, a Ação Direta questionando a inconstitucionalidade dos dispositivos de Santa Catarina que fixam que os Campos de Altitude só existem a partir dos 1500 metros de altitude. A Ação está em sua tramitação inicial. Veja a íntegra do pedido da ADI 7811, Relator Ministro Gilmar Mendes. O documento cita a legislação em discussão e contribui para um melhor entendimento da situação.

Íntegra da Carta

Leiam em português a íntegra do texto publicado na seção de Cartas, pg. 134, na Science, de 10 de julho de 2025, originalmente em inglês:

Brasil: Lei Estadual ameaça os Campos de Altitude

Glayson A. Bencke(1), Marcelo M. Madeira (2), Luís F. Perelló (3), Eduardo Vélez-Martin (4), Jan Karel F. Mähler Jr (1)), Gerhard E. Overbeck (5 e 6), Raphael V. Zulianello Alves (7), João de Deus Medeiros (8 e 9), e Fernando Joner (10) (os números entre parêntese referem-se às Instituições e localidades às quais são vinculados os pesquisadores — veja lista depois do texto)*

Os campos de altitude do sul do Brasil, inseridos no bioma Mata Atlântica, são protegidos por legislação federal (Referência 1). No entanto, em Santa Catarina – estado que concentra a maior extensão remanescente desse ecossistema — uma lei estadual sem embasamento científico (Referência 2) restringe essa proteção a áreas situadas acima de 1500 metros de altitude, deixando 96% dos campos restantes desprotegidos (3). Empresas do setor florestal aproveitam essa brecha legal para converter campos naturais em plantações de pinheiros exóticos, apesar de a legislação federal prevalecer sobre a estadual. É preciso que a Justiça Federal e as agências de certificação atuem para proteger esses campos.

Com uma flora catalogada de 1.620 espécies, das quais até 25% são endêmicas (4), os campos de altitude apresentam uma biodiversidade riquíssima e única (5). A região abriga 13 espécies de aves de ambientes abertos ameaçadas de extinção em nível global ou nacional, incluindo o pedreiro, o caboclinho-de-barriga-preta e a patativa-tropeira, endêmicos desse ecossistema (5). Também é o lar exclusivo do Contomastix vacariensis (lagartinho-pintado), ameaçado pelas plantações de pinus (6), e sustenta a última população de veados-campeiros em Santa Catarina (7). Além disso, esses campos armazenam altos estoques de carbono no solo (8) e alimentam as nascentes do rio Pelotas/Uruguai, que percorre o sul do Brasil, o Uruguai e a Argentina.

As empresas do setor florestal responsáveis pela destruição dos campos naturais de Santa Catarina, como a Klabin, promovem-se como negócios ambientalmente sustentáveis (9). No entanto, entre 2008 e 2023, cerca de 50 mil hectares de campos foram convertidos (10). Em meados de 2024, a Klabin foi multada pelo IBAMA por converter campos em desacordo com a legislação federal (11). Contudo, as multas foram temporariamente suspensas por meio de uma liminar federal (11), com base em uma decisão anterior da justiça estadual na qual foi adotada a definição mais restritiva de campos de altitude.

O Supremo Tribunal Federal deveria declarar ilegais as normas estaduais que colocam os campos em risco, por estarem em conflito com a Constituição Federal. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) apoia a adoção da definição federal de campos de altitude, conforme estabelecido em resoluções específicas (12).

As organizações independentes sem fins lucrativos que certificam empresas florestais não conseguiram atender à necessidade urgente de conservar os ecossistemas de pastagens. Ao revisar seus protocolos, essas agências podem responsabilizar as empresas, especialmente aquelas que se autodenominam “verdes”. Evidências científicas e a adesão à legislação mais ambientalmente correta do país devem servir de base para os padrões exigidos para a certificação.

As organizações independentes e sem fins lucrativos responsáveis pela certificação de empresas do setor florestal têm falhado diante da necessidade urgente de conservar os campos nativos. Por meio da revisão de seus protocolos, essas organizações podem exigir maior compromisso das empresas, especialmente aquelas que se autodenominam “verdes”. Evidências científicas e o cumprimento da legislação ambiental mais protetiva devem servir como base para os critérios exigidos na certificação.

Instituições e Localidades dos autores:

*(1) Museu de Ciências Naturais, Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
(2) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, Porto Alegre, RS, Brasil.
(3) Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
(4) Porto Alegre, RS, Brasil.
(5) Departamento de Botânica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
(6) Centro de Conhecimento de Biodiversidade, Belo Horizonte, MG, Brasil.
(7) Lages, SC, Brasil.
(8) Conselho Regional de Biologia, Florianópolis, SC, Brasil.
(9) Departamento de Botânica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
(10) Centro de Ciências Agrárias  da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
Email: gabencke@sema.rs.gov.br

As opiniões dos autores não necessariamente refletem os pontos de vista de suas instituições.

  1. Decreto Federal 6.660/2008 (2008); https://www.planalto.gov.br/ccivil03/_Ato2007-
    2010/2008/Decreto/D6660.htm.
  2. Lei nº 18.350/2022, que modifica a Lei Nº. 14,675/2009. (Código Ambiental Estadual de Santa Catarina) (2022); https://leis.alesc.sc.gov.br/html/2022/18350_2022_lei.html.
  3. J. de Deus Medeiros, “Campo de Altitude como Ecossistema Associado do Bioma Mata
    Atlântica” (Conselho Regional de Biologia 9ª Região – Sc Autarquia Federal, 2024); https://
    www.crbio09.org.br/_files/ugd/631649_2fd9545ee4874a6789e27c8d69eeac37.pdf
    .
  4. J.R. V. Iganci, G. Heiden, S. T. S. Miotto, R. T. Pennington, Bot. J. Linn. Soc. 167, 378 (2011).
  5. G. E. Overbeck, V. D. P. Pillar, S. C. Müller, G. A. Bencke, Eds., South Brazilian Grasslands
    (Springer, 2024).
  6. A. S. Oliveira, M. Guimarães, N. R. Matias, L. Verrastro, Austral Ecol. 47, 1286 (2022).
  7. M. Mazzolli, R. C. Benedet, Biotemas 22, 137 (2009).
  8. B. O. Andrade et al., J. Environ. Qual. 54, 335 (2025).
  9. Klabin, Comunicados de imprensa – Reconhecimentos e prêmios [em Portugues]; https://klabin.com.br/reputacao/press-releases?p_r_p_resetCur=true&categoryld=557069.
  10. Os dados foram obtidos do Mapbiomas (https://brasil.mapbiomas.org/en/). Para obter os valores de conversão de cobertura e uso do solo, selecione Mapas e Dados > Acessar a plataforma > Plataforma MapBiomas Cobertura e Uso do Solo. Na parte inferior da barra de ícones à esquerda, clique em “PT”.

  • NOTA DO EDITOR: AgirAzul.com está à disposição da empresa citada para publicaçao de sua posição a respeito do conteúdo da carta dos pesquisadores à Science.
  • Leia no original, em inglês, no site original (link)

Texto de divulgação modificado e ampliado sob a responsabilidade do Jornalista João Batista Santafé Aguiar  Assine o Canal do AgirAzul.com no WhatsApp – todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos e envio de materiais para o AgirAzulA transcrição do artigo é divulgada com fins jornalísticos.

Editor

Jornalista, Porto Alegre, RS Brasil.

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