por Arno Kayser*
A luta pela conquista do Parque Henrique Luiz Roessler é um marco na vida de Novo Hamburgo. Na opinião de muitos ecologistas um fato tão marcante como a chegada dos alemães em 1824, a vinda do trem na vida do século XX ou a criação da Fenac, nos anos 1960.

Foi uma das maiores mobilizações populares vista na cidade e a marca o início de uma era de mais valorização dos espaços públicos de lazer, da preservação ambiental e da valorização de nossa história.

Isto porque a sua materialização de certo modo começa na chegada dos migrantes alemães. Em 1825 Hans Peter Schmitt recebeu do Império Brasileiro o lote colonial que hoje é o parque. Ele é o principal líder político destes tempos iniciais da cidade. Tanto que sua casa é reconhecida como patrimônio histórico nacional e integra a área do parque.

Durante as décadas seguintes a área teve uso agrícola similar a tantos outros lotes coloniais. Mas aos poucos, por sua localização estratégica começou a ter usos públicos. Várias trilhas a cortava servido de atalho entre Hamburgo Velho e Canudos. O espaço também era usado por caçadores de perdizes. As escolas da IENH usavam o lugar para piqueniques. Em especial na época da pascoa. Razão porque muitas pessoas conheciam o local como “mato do coelho”. Populares usavam o local para coleta de marcela na sexta feira santa e muitos buscavam no lugar pastos para animais domésticos ou usava o terreno como lugar de corridas e caminhadas. Processo que foi formando uma base de apoio sentimental a ideias de proteção ao local em muitos hamburgueses.
Nos anos 1970, num movimento liderando por Ângela Sperb e Frederico Scheffel, há um grande impulso pela preservação do patrimônio histórico de Hamburgo Velho que gravita no entorno do lote de Hans Peter. Na esteira deste processo começa a se consolidar a ideia de transformar o local numa grande área verde vinculada ao núcleo histórico por ser um dos últimos ainda preservados no uso e na forma com o modus operantes da primeira fase da colonização germânica.

Para fomentar esta ideia Ângela e Frederico mobilizam técnicos da Metroplan (que era quem opinava sobre liberação de grandes loteamentos) e do Iphan para conhecer o local e seu potencial. Para guiar a visita também é convidada a presidente do Movimento Roessler, Jane Schmitt. Em fevereiro de 1983 é realizada uma caminhada no local que termina debaixo de um tremendo temporal de verão. Nesta vivência se arraiga no peito de Jane a determinação de fazer do local um grande espaço de proteção ambiental, preservação histórica, educação ambiental, lazer e pesquisa cientifica.

Para imantar a ideia Jane começa a reunir pessoas. Umas das primeiras à responder é a, então estudante de arquitetura, Jussara Klein. Ela em seu trabalho de conclusão de curso projeta um grande parque na área do campo dos Schmitt, como o local também era conhecido.
Esta proposta foi apresentada no segundo semestre de 84 a um pequeno grupo de ativistas da defesa do meio ambiente. Alguns colegas da Jussara que na época compunha um grupo de debates de urbanismo mobilizados pelo Jornal NH para o projeto chamado “Novo Hamburgo como Meta”. A eles se juntou o vereador Cláudio Spindler, o Agrônomo Arno Kayser e o economista Luiz Jacintho. Luiz era amigo de Frederico e o mais antigo vegetariano da cidade. Também era um consultor renovado de várias empresas e com muito acesso a lideranças da cidade.
A ideia do parque encantou este pessoal que, assumido a alcunha de “grupo do parque”, começou a discutir formas de levá-la adiante. A primeira ideia foi mobilizar lideranças da comunidade para formar um grupo de apoio e levar a proposta para o prefeito Foscarini. O Vereador Cláudio Spindler se prontificou a conseguir esta agenda, mas havia o temor que ela fosse mal recebida, pois o prefeito era um grande amigo do asfalto e se temia que não fosse sensível uma proposta tão “verde”.
Foi organizada uma reunião no centro de cultura para a qual foram convidadas diversas lideranças da cidade para conhecer a proposta. A reunião começou com a apresentação do trabalho da Jussara. Presente a reunião o secretário de educação Ernest Sarlet tentou demover o grupo alegando que o Município não tinha recursos pra uma compra de tal monta. Sua manifestação foi muito incisiva e desmobilizadora. Fato que terminou por irritar o senhor Luiz Jacintho.
Naquela noite seu Luiz escreveu um imenso texto de próprio punho num papel enrolado em forma de pergaminho colocando diversos argumentos para fundamentar a ideia e rebater o discurso contrário do secretário.
Este texto foi lido no início de 1986 em reunião no gabinete do prefeito quando o projeto foi levado pelo “Grupo do Parque”. Por conta do fato de seu Luiz ser uma pessoa de muito prestigio o prefeito ouviu o discurso atentamente. Coisa que talvez não fizesse se fosse um dos moleques do grupo que o apresentava. Se ele foi ou não convincente não podemos dizer com certeza, mas o fato é o prefeito Foscarini, de forma muito surpreendente para nós, apoiou de pronto a ideia do Parque.
Isto motivou o “Grupo do Parque” a levar a proposta adiante. O próximo passo foi levar o assunto para o Jornal NH a fim de informar toda a comunidade. A ideia logo foi acolhida pela redação do jornal que começou a pautar o tema de forma positiva.
Buscando o apoio da direção do Jornal NH o tema foi pauta dos trabalhos do Grupo “Novo Hamburgo como Meta”. O grupo se propunha a projetar a cidade para o futuro e a ideia de um grande “central park” parecia oportuna.
A direção foi simpática à ideia. Especialmente o diretor Paulo Gusmão. Esta sensibilidade talvez se deva a uma coincidência feliz na vida dos irmãos Gusmão, fundadores do Jornal NH. Eles na infância foram vizinhos de Henrique Roessler. Um deles, Luiz Fernando, foi funcionário do Roessler na infância. O que, talvez, explique essa posição pro-ambiental.
Com a boa acolhida do Prefeito e do Jornal o próximo passo foi organizar um evento público de apresentação do parque a cidade. A família da Jane tinha uma grande gráfica e lá se conseguiu produzir um belíssimo cartaz chamado à população para um evento no local. A chamada foi “Queremos Espaço Verde”. O evento mobilizou mais de 300 pessoas e teve como momento culminante o plantio de um Ipê Amarelo ao som da canção escoteira “árvore da montanha” por crianças presentes no evento. Curiosamente um dos líderes do evento foi o Secretário Sarlet.
O sucesso da mobilização e sua repercussão deram o impulso que faltava para o primeiro ato oficial pro-parque. Em outubro de 1986 foi realizada uma segunda caminhada no parque que serviu para o prefeito Foscarini assinar o decreto de utilidade pública 108/1986 que declarava o local destinado pra a criação de um parque.
Este momento marca o fim da primeira fase da campanha de criação do parque que a até então vinha sendo mais travada em reuniões de gabinete e veiculação pela mídia e participação em eventos no local.
O Grupo Paquetá, proprietário da área reagiu de forma negativa ao decreto tentando reverter à ideia de várias formas. Umas das estratégias foi oferecer a doação da casa Schmitt ao município como compensação pela aprovação do loteamento numa tentativa de dividir ecologistas e defensores do patrimônio histórico. Sua ideia inicial era derrubar a casa e abrir uma rua no local. Fato que só não aconteceu por intervenção direta de Frederico Scheffel que chegou a se postar diante das máquinas que iriam por a casa abaixo.
A reação do Grupo Paquetá fez o prefeito Foscarini recuar por conta da pressão econômica de empresários da cidade contrários a ideia do parque e o medo de fazer um grande investimento. Havia muita pressão da Associação Comercial e Industrial (ACI) contrária ao Parque na época. Eles defendiam a criação da Guarda Municipal e queria todo dinheiro para isto. O Presidente da ACI Raul Heller e Henrique Heldt, usando de sua influência junto a prefeitura (especialmente junto ao meu então meu Chefe Sarlet) chegaram a conseguir uma reunião secreta com Arno Kayser e Jussara Kley para pressionar pela desistência da campanha pró parque. A recusa dos ecologistas gerou a primeira reação forte da comunidade a ideia do parque.
Estes fatos afetaram o apoio do Jornal NH à campanha. Especialmente por parte da direção. Obviamente eles tinham fortes laços comerciais, ideológicos e mesmo de amizade como os donos do Grupo Paquetá. Por isto, no início, optaram por um apoio discreto a causa. A frente de apoio era mais dos jornalistas, muitos deles simpatizantes do Movimento Roessler, que reorganizado em agosto de 1986, assumira a liderança da campanha pelo parque.
Outro fato de peso na mudança da posição da direção do NH teve a ver com a alteração na posição da prefeitura. A relação do Gruposinos com o poder público tinha que ser mantida em sintonia para não sofrer repercussões econômicas negativas. Isto trouxe um recuo da cúpula do jornal.
A direção do jornal também apoiava a criação da Guarda. Por isto a talvez tenha ficando sempre numa postura de apoio discreto à criação do parque, para não confrontar os empresários da direção da ACI.
Este quadro só mudou quando o Grupo Paquetá foi convencido a vender a área pelo valor do possível lucro do Loteamento. Sem essa pressão econômica contrária o Jornal NH voltou a abrir mais espaço para a causa do Parque.
Quando o Movimento Roessler percebeu a mudança de posição de Foscarini iniciou uma segunda fase da campanha pró parque. Ela começa com o lançamento do adesivo “Parcão Já”. Uma criação do artista Rogério Rauber inspirada no lema das “Diretas Já”. Além disto, com o apoio da Upan, promoveu a ocupação simbólica do local com colocação de várias placas informando que ali seria o futuro parcão. Essa ocupação foi em março de 1987. A seguir o Movimento Roessler começa a realizar atos em prol do parque culminando com um grande show no local em outubro de 1988 com a presença do Coral Luisinho, da Banda Barata Oriental, do Vocal Salamaleque e dos músicos Mauro Kern e Nando d’Ávila. Show que contou com o apoio de outras entidades da cidade que já vinham dando apoio à idéia do parque como Igreja Católica, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), o Rotary Club, o Grupo de Escoteiros Hans Staden, o Sindicato dos Sapateiros e o Sindicato dos Metalúrgicos de Novo Hamburgo. Um pouco antes foi feito o lançamento do livro “Peixim e o rio dos sinos”, de Rogério Rauber junto com uma festival de pandorgas. Na mesma época estudantes de três escolas do centro da cidade (Fundação Liberato, Pio XII e 25 de Julho) realizaram uma grande passeata em favor da criação do parcão e da proteção ao meio ambiente.
Estes atos populares fizeram com que o tema da criação do parque fosse um dos grandes motes da campanha eleitoral para prefeito daquele ano. O Movimento Roessler realizou um encontro com os candidatos para apresentar o “Programa Verde para uma Política Ambiental para Novo Hamburgo”. Neste documento havia o compromisso pela implantação do parque que foi assinado por diversos candidatos.
Em reação a tudo isto o Grupo Paquetá tentou uma nova proposta de loteamento em que oferecia 21 hectares da área para criar um parque em troca da liberação do loteamento nos outros 30 hectares. O prefeito Foscarini se mostrou favorável à ideia, mas deixou o negócio para seu sucessor resolver. Os ecologistas alegaram que a proposta oferecia a porção de nascentes do Parque que de qualquer forma a Metroplan não deixaria lotear e onde não seria possível se implantar estruturas de lazer por ser de proteção permanente. Além disto, um loteamento acima das nascentes comprometeria as águas do parque.
Com a eleição de Paulo Ritzel inicia a etapa final da luta pelo parque. Embora se declarando ecologista e fundador do Movimento Roessler (Paulo esteve no ato de fundação formal da entidade alguns meses antes) a sua posição não era muito favorável pelo alto investimento a ser feito. Mas isto tudo mudou quando o Grupo Paquetá foi convencido de desistir do projeto e sinalizou que venderia a área se o município pagasse o “lucro” do loteamento. Este valor foi calculado considerando a diferença entre o faturamento da venda de cerca de 300 lotes possíveis de se implantar fora da área de preservação permanente de 21 hectares que tentara entregar na sua última tentativa de lotear o terreno menos os custos da implantação do loteamento. Este “lucro” foi estimado em um milhão de dólares pelo perito Luís Alberto Modesti que fez a avaliação de graça. Esta etapa foi negociada pelo Advogado Newton Alano (do Sítio Pé na Terra) que tinha contato com o pessoal da Paquetá e era também apoiador do Roessler.
O valor serviu de base para Jair Foscarini — secretário de Planejamento — calcular que em 4 anos se poderia arrecadar este valor com um acréscimo na alíquota do IPTU. Convencido desta possibilidade Paulo Ritzel garantiu que compraria o parque se algum vereador da oposição apresentasse este projeto de aumento do IPTU. Quem topou apresentar o projeto foi o vereador Cláudio Spindler.
Quando tudo parecia certo os empresários dirigentes da ACI voltaram à carga para pressionar a Câmara a não aprovar o projeto do Cláudio e destinar esta grana a criação da Guarda Municipal. Chegaram a mandar telegramas no dia da sessão de votação pedindo voto contrário. A diretora da Câmara, favorável ao parque, não entregou os mesmos a tempo. O que ajudou na aprovação unânime do projeto.
No dia da votação foi chamada outra grande mobilização popular. Crianças e adultos montaram um corredor polonês para pressionar todos os vereadores entregando flores silvestres colhidas no parque para sensibiliza-los.
Com a aprovação do recurso Ritzel acabou comprando o parque em fevereiro de 1990 quando o aumento do imposto começou a vigorar.
Foi à culminância de uma longa negociação e um das maiores mobilizações populares e de cidadania que a cidade assistiu. Foi uma grande engenharia política de cidadania que felizmente deu certo.
O momento histórico de redemocratização do país ajudou neste sentido, pois a luta correu paralela à campanha das diretas já a e primeira eleição presidencial deste os anos 60. Havia um anseio muito grade de mudar as coisas para melhor no país que ajudou neste processo. Também foi a época da luta pela criação do Comitesinos refletindo um anseio mundial pela proteção da natureza que vinha deste os anos 60 no mundo todo.

A partir daí começou um longo trabalho de consolidação da conquista que segue até nossos dias. E até hoje todo este grande esforço de cidadania tem conseguido manter o espírito da mobilização inicial gravado no DNA do parque Henrique Luiz Roessler.
- O autor Arno Kayser é Agrônomo, Ecologista e Escritor
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Muito bom e necessário, Arno. As histórias sobre a movimentação por ambiente e natureza íntegros estão fazendo falta, pois nos inspiram e incentivam. Queremos mais!