Comemorar o Dia do Índio ou a abertura da temporada de caça às Terras Indígenas?
19-04-2013
Talvez, nunca na história recente deste país vimos tanto descaso, truculência, violação dos direitos humanos, expropriação de terras e degradação deliberada das condições dos povos indígenas como agora. Talvez nem o General Custer – militar norte-americano do século XIX que se destacou na perseguição aos indígenas daquele continente – teria tanta perspicácia e estratégia perversa para aniquilar direitos dos povos que vivem aqui, no Brasil, há milhares de anos.
Com os Programas de Aceleração do Crescimento I e II, a partir de 2007, vem sendo lançado um conjunto de decretos e medidas governamentais e parlamentares, por parte das mesmas bancadas que destruíram o Código Florestal em 2012. A mira agora é terraplanar os territórios sociobiodiversos indígenas e favorecer os interesses do “ambiente de negócios” e do “crescimento econômico” em especial de oligopólios, com trânsito favorecido em Brasília. Ergue-se, assim, uma infraestrutura da morte, onde violam-se as últimas fronteiras dos territórios da sociobiodiversidade para servir à insaciável” exploração ilimitada dos recursos naturais e à acumulação do megacapital predador, baseado na velha e colonial exportação de commodities (minérios de ferro, alumínio, grãos de monoculturas, etc.).
Segundo o procurador Felício Pontes1, do Ministério Público Federal (MPF) do Pará, mais de 30% das terras indígenas na Amazônia poderão sofrer algum tipo de impacto com a construção das hidrelétricas do PAC na região. Os projetos do governo brasileiro prevêem a instalação de 153 empreendimentos hidrelétricos nos próximos 20 anos, que também expulsariam ou afetariam os modos de vida da maior parte das populações tradicionais amazonenses. Segundo Felício, estas obras passam não só por cima da legislação brasileira, mas também da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta convenção determina que as autoridades governamentais consultem antecipadamente as comunidades locais, em especial indígenas e as populações tradicionais, sempre que existir possibilidade de impactos provocados por empreendimentos. Mas, infelizmente, estamos em um Brasil do vale-tudo e esse processo não tem sido minimamente cumprido, como aconteceu com a desastrosa construção do Complexo de Belo Monte, e com recursos públicos do BNDES.
De outra parte, também, o CIMI2 (Conselho Indigenista Missionário) denuncia a forma autoritária e truculenta no encaminhamento da construção do chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós (PA), composto por cinco usinas a serem instaladas no rio Tapajós ( usinas: UHE São Luiz do Tapajós, UHE Jatobá, UHE Jamanxim, UHE Cachoeira do Caí, UHE Cachoeira dos Patos). O CIMI igualmente denuncia o Decreto nº 7.957/13 (12/03/13), elaborado pelo governo federal, que altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004, que legaliza a intervenção e a repressão militarizada a todo e qualquer ato de resistência da sociedade civil organizada contra a invasão de seus territórios por obras de infraestrutura (para quem?). Define, entre as suas competências, “identificar situações e áreas que demandem emprego das Forças Armadas, em garantia da lei e da ordem, e submetê-las ao Presidente da República”, e “demandar das Forças Armadas a prestação de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução”. Tal decreto tem alvo certo: aqueles que mais resistem à violência do fundamentalismo do crescimento econômico, via atividades degradadoras de territórios remanescentes sociobiodiversos, ou seja, de indígenas, campesinos e povos tradicionais. E a tropa de choque jurídica desta sanha transgressora do governo federal, ademais, é representada também pela Advocacia Geral da União, pronta para entrar em campo para derrubar as ações do MPF, do MAB (Movimento dos Atingidos pelas Barragens) e de setores socioambientalistas companheiros e solidários às causas indígenas.
E cabe destacar que a “temporada de caça aos Territórios Indígenas” tem o protagonismo destacado também das bancadas ruralista e da megamineração no Congresso Nacional. Neste sentido, colocaram na mesa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que representa um retrocesso sem precedentes e a consequente piora das condições já humilhantes destes povos. A PEC 215/00 inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. Esta Proposta de Emenda engessaria ainda mais a criação de territórios indígenas, e representaria tudo o que desejariam as bancadas do atraso, que dominam o Congresso. Atualmente, A PEC 215 está sob a responsabilidade do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que em 11 de abril de 2013 criou a Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer à mesma. Houve protestos em Brasília, por parte de lideranças indígenas, e o presidente da Câmara teria prometido adiar o encaminhamento da proposta. Mas, por quanto tempo? Adiar, para quê?
Com as obras de infraestrutura do PAC, via expansão do modelo de mega-empreendimentos, via PPPs (Parcerias Público-Privadas) em mercados globalizados, aos ventos do alucinante crescimento econômico chinês, demandador de matéria prima, ninguém segura um quilômetro sequer de rios sem barramentos, comprometendo a biodiversidade e a pesca de povos indígenas e ribeirinhos. Prevê-se que algumas dezenas de milhares de indígenas serão afetados, expulsos, deslocados, para fornecer muita energia para matérias primas de exportação a preços ridículos, como nas velhas épocas coloniais, e ademais em confins, onde quase 20% da energia seriam perdidos nas longínquas linhas de transmissão. E muita energia eminentemente suja, pois também os reservatórios emitem metano e outros gases de efeito estufa. Enfim, energia em grande parte para a exportação de commodities ou para o nosso “glorioso parque automotivo” dos veículos individuais e incrementados de IPI reduzido e de obsolescência planejadada, para aumentar o caos do transporte individual das grandes metrópoles. Energia para alimentar o círculo vicioso da velha “História das Coisas” que continua a engordar a obesidade mórbida do capital. E, para isso, a guerra é de conquista e apropriação, com dinheiro público (BNDES). E em guerra, os direitos e garantias são suprimidos…
Alguém tem dúvida que vivemos um “Regime de Exceção”? Nesta linha, do incremento da exceção, estão as regras absurdas ligadas ao fomento e a liberação dos impactos dos megaeventos esportivos (“Copa-Business”, Olimpiadas, etc.). Esta questão ficou evidenciada na ampliação do estádio do Maracanã x Aldeia Maracanã, onde as autoridades cariocas usaram, covardemente, da força policial para expulsar indígenas e simpatizantes.
E o processo de retirada de direitos de quem mais precisa parece não ter mais limite. Desavergonhadamente, políticos e governantes preparam, para isso, a continuidade de seu caminho das benevolências, por meio de megobras que irão beneficiar empreiteiras que, por sua vez, nas próximas eleições de 2014, irão regar com “doações eleitorais” suas campanhas. Se alguém tem dúvidas, que consulte então os dados das doações nas eleições de 2012 ou de 2010, esta última no sítio-e do TSE: http://spce2010.tse.jus.br/spceweb.consulta.receitasdespesas2010/abrirTelaReceitaComite.action
Recomendamos também a leitura da matéria “Governo federal e a militarização como instrumento político” em http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6788.
Paulo Brack, biólogo, professor da UFRGS, membro fundador do InGá.
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2= http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6788