Faleceu o jornalista e ambientalista Ney Gastal, aos 72 anos

Ney Gastal. Fotografia da década de 1970/1980. Autor não identificado. AgirAzul está à disposição para incluir o nome do autor e detentor dos direitos.

O jornalista porto-alegrense Ney de Araújo Gastal faleceu nesta madrugada em Porto Alegre. Ney foi um pioneiro no jornalismo de meio ambiente passando a publicar a partir de 1972, aos 21 anos de idade, no antigo Correio do Povo reportagens e artigos de opinião sobre a questão ambiental e patrimônio cultural local e mundial.

—> O velório está acontecendo no Cemitério São Miguel e Almas (av. Oscar Pereira, 400), até às 16h30min desta segunda-feira, 3/7/2023. Às 16h30min haverá uma cerimônia de despedida. 

Em junho de 1972 publicou no Correio a deliciosa crônica sob o título “Redação” em que reproduzia o que seria um texto de uma criança de uns 8 anos, do “primeiro ou segundo ano primário”, citando acontecimentos da época. Seguem umas partes…quem for mais velho vai se identificar…e quem for mais jovem, também:

Os buracos de Porto Alegre são engraçados. Uns fazem poeira, outros fazem barulho. O que tá passando na frente da minha casa faz as duas coisas. Meu pai um dia caiu num buraco e ficou brabo, mas não adiantou nada porque não taparam o buraco. Aí meu pai disse que ia falar mal do burado para um amigo dele que tinha um primo que tinha um amigo que era casado com a irmã da cunhada de um sobrinho de um tal de João, que era muito amigo do filho de uma senhora que conhecia a mãe da comadre da irmã de uma das faxineiras da prefeitura.

– No dia seguinte, taparam o buraco.

– Meu pai é muito importante. Ele tem amigos importantes. 

– A Borregaard é um cheiro muito engraçado. Chega de repente e todo mundo fica tapando o nariz e dizendo:

– Que cheiro ruim!

– Meu pai caiu no buraco quando tapava o nariz para não sentir o cheiro da Borregaard. O buraco estava cheio de água suja. Foi assim que meu pai pegou pneumonia e tifo. Meu pai quase morreu.

– Porto Alegre tem um mercado muito bonito. O prefeito quer derrubar o mercado. As outras pessoas não. Quem manda é o prefeito. Vou bater umas fotos do mercado para mostrar pro meu irmãozinho que vai nascer no fim do ano. Ele não vai poder conhecer o mercado que o prefeito vai derrubar. Por que o prefeito vai derrubar o mercado?

 E assim seguiu o cronista iniciante uma carreira vitoriosa no jornalismo. Ney Gastal também foi crítico de arte e de cinema. Foi diretor do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul da antiga Fundação Zoobotânica, hoje extinta. Foi assessor em Brasília do Secretário Especial do Meio Ambiente, José Lutzenberger, na gestão de Fernando Collor na Presidência da República. Foi membro da AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural em seus anos iniciais. Foi presidente da ABRAPA – Associação Brasileira de Preservação Ambiental, com sede em Porto Alegre, onde atuou com efetividade na proteção à Estação Ecológica do Taim e outras iniciativas. 

Foi assessor da presidência da FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler, assessor de imprensa da UFRGS e da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre – OSPA. 

Noutro episódio contado ainda em 1972, real ou inventado, ele conta que o colega Valter Galvani lhe entregou um recorte de jornal dizendo: “º Olha aí! Agora Porto Alegre vai ter verdes….”.

Disse ele: “…. li e me apavorei. Pois não é que no dito recorte atualíssimo um professor de Educação Física, (…) afirma que ‘a natureza é bonita no papel, mas na prática não funciona’. Parece incrível mas é o que está escrito. Ora bolas, se a Natureza não funciona, o que vai funcionar? É verdade que atualmente os elementos andam meio descontrolados, mas se isso acontece é porque o homem exagerou um pouco ao bulir com o equilíbrio ecológico”

E mais adiante no texto, o cidadão diz: “…solicitamos que os projetos de praças que não são enviados pela Secretaria de Obras e Viação reservem cada vez menos espaço para a vegetação. O pai e a mãe é que devem procurar passear com seus filhos onde ainda existe natureza, como é o caso do Parque Saint-Hilaire”. E continuou, narrando o que o funcionário de Porto Alegre disse: “…É preciso optar entre colocar vegetação nas praças ou substituí-la por concreto: nossa experiência demonstra que as crianças invariavelmente destroem as áreas verdes em pouco tempo. Por isso, resolvemos colocar equipamentos como o concreto e a fibra de vidro, que permitem o desenvolvimento físico e mental e têm duração razoável”. E para concluir, o funcionário disse: “— Se a população quiser realmente o verde na cidade, nós pintaremos o concreto de verde”. (crônica publicada em 19/10/1972 no Correio do Povo).

Pior que não se trata de invenção do AgirAzul…os fatos aconteceram. O prefeito Thompson Flores desautorizou o funcionário…menos mal. Mas foi um período que o concreto entrou firme em nossas praças mantidas pelo Município.

Em outra ocasião, Ney Gastal usou da tribuna no jornal para explicar a importância do Mercado Público para a história de Porto Alegre, denunciando o desejo da Prefeitura de derrubá-lo. A campanha contra os desejos do Município cresceu e o prefeito acabou mudando de idéia.

Em 1975, Ney Gastal assina uma reportagem no Correio, com fotos, denunciando a ação da CEEE destruindo matos virgens no Estado. Em 1976, Ney publica o protesto de José Lutzenberger, então presidente da AGAPAN, contra o corte de vegetação no Parque Estadual de Itapeva pela mesma empresa de energia elétrica.

Em 7/3/1976, Gastal publica reportagem sobre a matança de baleias. Em 1º de janeiro de 1977, em página inteira no Correio do Povo (no tamanho do dobro da folha atual), Gastal publica entrevista com Roberto Eduardo Xavier, indicado pelo então Prefeito Guilherme Vilela para ser o primeiro Secretário Municipal do Meio Ambiente. Na década de 80 denunciou o desejo do Governo do Estado em transformar as instalações do Museu de Ciências Naturais e a sede do Jardim Botânico num Centro de Convenções. Mais uma vez sua atuação como jornalista foi certeira. Foi iniciada uma campanha ponteada por ambientalistas que, afinal, viabilizaram que o governo do Estado desistisse da ideia.

E assim foi a vida inteira do Ney Gastal que hoje nos faleceu deixando uma obra imensa. José Truda Palazzo Jr, seu companheiro em muitas ações, disse ao AgirAzul que “Ney foi uma figura fundamental no ambientalismo não-ecochato do RS nos anos 80 e 90, contrapondo os mimimis teóricos a uma atuação calcada em ações práticas. Sempre muito crítico, fez a diferença na defesa do Taim contra invasores de todo tipo, ajudou a Fundação Zoobotânica e o seu Museu de Ciências Naturais a sobreviver a diversos ataques, enfim, como vários outros ativistas confirmou a máxima de Margaret Mead de que quem faz a diferença na sociedade são os indivíduos motivados, não os bandos. Fará falta”.

Leia mais

— Ney Gastal publicou textos no antigo AgirAzul.com.brveja aqui

— Entrevista para a TVE

Repercussão

— Jornal do Comércio: Morre Ney Gastal, referência no jornalismo cultural e ambientalismo no RS

— Correio do Povo: Ney Gastal e a volta do Caderno de Sábado em 2014

— Correio do Povo: Morre o cronista e repórter Ney Gastal aos 72 anos

— Coletiva.net: Aos 72 anos, morre o jornalista Ney Gastal

— O Bairrista: Morre, aos 72 anos, o jornalista Ney Gastal

— Zero Hora nada publicou em seu site – http://www.zerohora.com.br – até às 22h desta segunda-feira, 3/7/2023

Publicado em 3/7/2023, 16h Atualizado em 3/7/2023, 22h.

Redação de João Batista Santafé Aguiar, jornalista, para o AgirAzul.com – Para contatos com a redação, verificar em www.agirazul.com/contatos. É livre o uso do material, citando a fonte.

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