Conselho do Plano Diretor analisa projeto na Ponta do Arado – primeiros votos são contrários ao Sinduscon, que votou favorável

Continua em discussão em Porto Alegre a liberação ou não de um condomínio que poderá ou não ocupar 428 hectares de zona limítrofe à vila de Belém Novo na zona sul do município. A proposta foi realizada há mais de 10 anos e é de uma empresa sociedade anônima fechada – a Arado Empreendimentos Imobiliários com atividade econômica principal “criação de bovinos, exceto para corte e leite”. No registro do CNPJ, aparece “compra e venda de imóveis próprios” e “incorporação de empreendimentos imobiliários” entre as atividades secundárias.

O Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre discutiu o assunto. E trazemos notícia da situação do projeto junto ao IPHAN.

Técnicos da prefeitura estimam o aumento da população da região em 70% (de 10 mil habitantes para 18 mil habitantes) conforme apresentação realizada em 2021.

Em sessão do Conselho realizada na noite desta terça-feira (18/7/2023) a Acesso Cidadania e Direitos Humanos, Instituto dos Arquitetos do Brasil Seção RS, a Assoc. Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/RS, o CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul, e a SOCECON/RS – Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul votaram pela não aprovação do projeto. O relator representando o SINDUSCON – Sindicato das Indústrias da Construção Civil votou na sessão realizada em 4/7/2023, pela aprovação. O expediente voltará à pauta do Conselho em 22/8/2023.

Voto do Relator, favorável:

SINDUSCON

Na sessão anterior, realizada em 4/7/2023, o representante do SINDUSCON RS – sindicato dos proprietários de empresas de construção civil, no Conselho, Arquiteto e Urbanista Rogério Dal Molin, votou pela liberação do projeto considerando-o “bastante adequado” ao prever a ocupação intensiva de 38 hectares. Entendeu que “os lotes gerados variam de 256,80m2 até 2.800m2 na Área Intensiva, o que evidencia uma intenção de atingir uma ampla faixa de renda, conferindo um caráter plural e democrático”. Ainda afirmou que “a proposta busca promover a integração da população com o Lago Guaíba e incentiva o turismo na Zona Sul da cidade”. Entende que o Conselho do Plano Diretor deve se restringir apenas a examinar os aspectos de viabilização urbanísticos.

Dal Molin destacou que o parcelamento do solo estaria de acordo com a Lei Complementar nº 935/2022, o Plano Diretor e com ajustes solicitados. Afirmou que “a proposta urbanística está adequada considerando a transição suave entre a Zona Urbana, já estruturada, e a Zona Rural de Belém Novo, proporcionando uma expansão urgana de forma controlada”. “O desenho urbano proposto no empreendimento proporciona a articulação com o bairro no perímetro de interface, mesmo com a presença da Estação de Tratamento de Água de 9,5 hectares para beneficiar 400 mil pessoas”.

Votos contrários:

Acesso e RGP1

— Claudete Aires Simas, da Acesso CIdadania e Direitos Humanos, e Felisberto Seabra Luisi, representante da Região de Gestão de Planejamento 1 (Centro Histórico e mais 18 bairros vizinhos) apresentaram um voto conjunto. Claudete fez questão de ressaltar que o voto foi produzido com base em expediente iniciado em 2022, sem ter sido possível acessar o principal expediente que tramita no município sobre a área do Arado. Registrou que todos as análises sobre o projeto estariam sendo realizados em outros processos que não teve acesso e que a proposta do projeto existe tramitando há cerca de 10 anos e matérias relevantes às análises não estão no material examinado. Para a conselheira, o fato “obstaculiza o controle externo e social, configurando falha grave e uma deliberada e direcionada fragilização do sistema de controle”. Considerou importante lembrar que “o EIA/RIMA existente (…) foi objeto de instauração de inquérito policial e subsequentemente objeto de processo criminal, tendo em vista que o estudo seria falso, omisso e incompleto, segundo consta”.

Em relação ao condomínio proposto, Claudete lembrou que “a área em questão possui um sítio arqueológico, além de ser objeto de demarcação indígena”, conforme documentação apresentada em 2016 junto ao Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural – COMPHAC. A Lei Complementar nº 935/2022 teria se baseado em estudo de impacto ambiental que é base para um processo criminal. “A motivação no caso, ao que parece, é a pura e simples de permitir que um empreendedor que adquiriu a área sabendo das restrições urbanísticas a ela relacionadas possa lhe dar nova conformação, satisfazendo seu interesse econômico-financeiro em detrimento do conceito de cidade sustentável registrado no Estatuto da Cidade”, disse. Entende que é nula a decisão do Conselho sem que seja possível examinar o impacto ambiental do projeto e suas contrapartidas. “Se eu não tenho nem a licença prévia, que é definida em lei, como é que eu vou aprovar o EVU (estudo de viabilidade urbanística)?”, pergunta.

ABES – RS

Jussara Kalil Pires, representando a ABES/RS, destacou que diferentes órgãos da administração municipal indicaram necessidade de ajustes ao projeto inicial apresentado. O DMAE afirmou que “deverá ser previsto em Termo de Compromisso as melhorias na ETE (Nota do Editor: estação de tratamento de esgotos) Belém Novo, contemplando o aumento da capacidade de tratamento, em razão do empreendimento aumentar em 67% a vazão, conforme apontado no EIA”. Independentemente do EIA realizado estar sendo questionado ou não, o DMAE assumiu este número como verdadeiro, afirmou. “E aí vale lembrar que isso significa um aumento de custo de manutenção que é para o resto da vida, inclusive de geração de lodos e outros resíduos que fazem parte e que, por conseguinte, acaba tendo outro impacto econômico para o município”. 67% no aumento da vazão do esgoto “é um aumento considerável”, destacou. O DMAE exige ainda que sejam previstas bacias de amortecimento de tal vorma que o empreendimento faça frente ao impacto do aumento do volume de escoamento superficial.

Lembrou ainda que a diretoria de Licenciamento e Monitoramento Ambiental (DLMA) da SMAMUS condiciona a aprovação, licenciamento do projeto urbanístico, à obtenção de licença ambiental expedida pela FEPAM-RS. A SMCEC – Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa condiciona a aprovação do projeto ao atendimento do parecer do COMPHAC em relação a existir bens inventariados no local e ao restauro destes bens. A SMS – Secretaria Municipal de Saúde menciona que o RIMA – relatório de impacto ambiental previu que o incremento populacional resultaria na necessidade de implantação de abrigo para três equipes de saúde da família.

Destacou ainda que: a área em questão foi adquirida sabendo-se das restrições urbanísticas que pressupunham a ocupação rarefeita da região; a área localiza-se no extremo sul da cidade e é de grande interesse ambiental, paisagístico e cultural para a cidade; a cidade encontra-se em pleno processo de reavaliação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental; que os resultados do último censo demográfico revelam que Porto Alegre teve perda populacional e, portanto, não demanda a abertura de novas frentes de urbanização; que o município conta com diversas regiões que necessitam ser revitalizadas e uma considerável proporção da população residindo em áreas que precisam ser regularizadas e que, entre outros argumentos, “os planos setoriais, entre os quais o de saneamento, preveem a necessidade de diferentes investimentos nas regiões já consolidadas da cidade que seriam negligenciados em favor de investimentos para a manutenção das novas estruturas urbanas que seriam acrescidas ao município”.

A final reafirmou que a argumentação de que o proprietário da área tem direito ao uso da área deve ser desconsiderada, no caso, porque sabia que “não era para ter cidade ali, que não era para um uso mais intensivo da região”. Ao concluir o voto de forma contrária ao voto do relator, Jussara disse que “o impacto do empreendimento é tal que não se justifica a pressa em aprová-lo antes da conclusão da revisão do Plano Diretor”.

IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil / Departamento Rio Grande do Sul

O Arquiteto e Urbanista Natan Franciel Arend representando o IAB/RS, também votou contrariamente ao voto do relator do SINDUSCON considerando que “o empreendimento tensiona a cidade de maneira irremediável em direção a um processo de urbanização indesejável do extremo sul da cidade”.

Indicou Natan que a área do condomínio compreende 428 hectares, sendo equivalente à área somada dos bairros Moinhos de Vento, Rio Branco, Independência, Bom Fim, Farroupilha e cidade baixa, ou ainda 11 vezes o tamanho do Parque da Redenção.

Considerou para o seu voto também que o aumento da população do bairro Belém Novo, estimado em 7.942 habitantes, “demandará do município voluptuosos investimentos em infraestrutura urbana em local distante cerca de 30 quilômetros do Centro, sendo comprovadamente antieconômicas aos cofres públicos”.

Natan ressaltou que partes da área do empreendimento estão abaixo da cota de inundação do Guaíba.

Afirma que “o desenvolvimento urbano ambiental, bem limite da área urbana de uma cidade deve ser regrado pelo plano diretor e sua revisão, conforme o estatuto das cidades, deve ser feita com ampla participação da sociedade civil e não de forma localizada, com proposições de leis pontuais, de acordo com interesses de apenas um setor da sociedade”. Recomendou que a discussão sobre intervenções urbanas com forte impacto na cidade de Porto Alegre e sua região metropolitana, conforme o empreendimento em questão, somado a sua localização no extremo sul da cidade, deveria ser incorporada à revisão do PDDUA em curso”. Afirmou que a Fazenda do Arado é uma zona primordial para a manutenção de espécies da fauna e da flora. Acredita também que as contrapartidas podem demorar décadas para serem implantadas.

SOCECON/RS – Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul

O conselheiro Mark Ramos Kuschick, representando a Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul – SOCECON/RS, votou também contrariamente ao voto do relator, desaprovando o projeto.

“O CMDA precisa salientar os aspectos ambientais no exame dessas propostas  e não são 428 hectares quaisquer —  eles têm uma história na existência de Porto Alegre  e deveriam ser mantidos como parque natural”, afirmou. Lembrou também que o território tem importância “como local de vida e de massacre dos povos ancestrais  que tiveram suas terras constantemente expropriadas”. 

Considera ainda que: “Um projeto capitalista para essa região  precisa apresentar um relatório e um estudo  que devasse as origens da área  e enfrente com honestidade intelectual  essas questões que precisam ser examinadas — não basta ser empreendedor,  precisa-se de uma responsabilidade social e ética  com a história da região.  E isso é importante que se considere  e não apenas critérios paisagísticos de urbanização”.

Para o representante da SOCECON, a área deveria permanecer como espaço de descanso, de proteção e de regeneração.

CAU – Conselho de Arquitetura. e Urbanismo do RIo Grande do Sul

Valdir Bandeira Fiorentin, representando o Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo do RS, afirmou que “a implantação de algum condomínio fechado que vai se criar naquele setor é um custo para a cidade muito alto”. A liberação seria problemática, diz, “mesmo entendendo os anseios daqueles empreendedores”.

Prosseguimento

A votação vai prosseguir na próxima sessão, em princípio dia 22/8 com início às 18h, com os votos dos demais conselheiros. Faltam votar os representantes dos organismos do próprio Município, como por exemplo, o Gabinete do Prefeito, representantes de regiões de planejamento, UFRGS, ASBEA, SAERGS, e SENGE.

Foram solicitadas informações à FUNAI sobre a situação dos povos originários no local . Tão logo recebidas as informações esta matéria será complementada.

IPHAN

Já em relação à existência de bens a serem protegidos na área do empreendimento na antiga Fazenda do Arado, a última movimentação do processo data de fevereiro de 2020 quando a então Superintendente do órgão no Rio Grande do Sul, Renata Galbinski Horowitz, dirigiu correspondência ao em empreendedor Iboty B. Ioschpe, pela IBI Participação e Negócios S. A., informando que o Relatório de Diagnóstico Arqueológico Interventivo, Prospecção Intensiva e Educação Patrimonial no Empreendimento Urbanístico Ponta do Arado, em Belém Novo, foi analisado pela equipe técnica e que complementações são necessárias. Antes, já haviam sido

Entre as informações solicitadas para que o IPHAN possa concluir sua análise faltam, dentre outros documentos, mapa relacionando todos os sítios arqueológicos identificados com o projeto executivo do empreendimento, prevendo as medidas a serem adotadas para a preservação do patrimônio; apresentar proposta de valorização do potencial científico e cultural e indicação dos meios de divulgação dos resultados da pesquisa e apresentar plantas, desenhos e fotos das estruturas descobertas e das estratigrafias reconhecidas, além de plantas com indicação dos locais onde se pretende o prosseguimento das pesquisas em novas etapas.

A empresa solicitou o licenciamento do empreendimento junto ao IPHAN em 2011. A licença do IPHAN, relacionada com os bens histórico-culturais existentes na área, seria um dos documentos exigidos pela FEPAM para a empresa solicitar a Licença Prévia.

FEPAM

A reportagem do AgirAzul solicitou informações à FEPAM sobre se o licenciamento pode iniciar antes ou apenas depois de aprovado o EVU do projeto pelo empreendedor. A resposta foi: Os empreendimentos de parcelamento de solo urbano com área total ou superior a 100 ha devem obrigatoriamente serem submetidos a licenciamento através de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Para tanto, o primeiro passo junto à FEPAM é a solicitação de Declaração de Aprovação do Termo de Referência (DTREIA).
O passo seguinte é a elaboração do EIA/RIMA com base no TR aprovado pela DTTREIA e sua submissão à FEPAM com solicitação de LPER. Uma das exigências do TR, que deve ser usada como base para elaborar o EIA/RIMA, é a Declaração de Zoneamento Municipal. Tendo em vista que o município de Porto Alegre não emite tal Declaração, pois o procedimento municipal se dá, para empreendimentos de grande porte, através da Aprovação do EVU, este deverá ser o documento entregue para abertura do processo de LPER, acompanhado dos estudos definidos pelo Termo de Referência aprovado.

Mais informações

Pedido de análise feito pela emprena junto ao IPHAN

— “Arado Empreendimentos Imobiliários” no Google

Audiência Pública realizada pela Câmara Municipal de Vereadores em 25/11/2021 com limitação de participação de 5 pessoas a favor e 5 pessoas contra

CMDUA – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre / página oficial do Município.

Playlist no YouTube das reuniões do CMDUA

Praia do Arado Velho, na Wikipedia

Fazenda do Arado Velho no Google

Texto do jornalista João Batista Santafé Aguiar. Contatos. Permitida a reprodução, com citação da fonte.

ATUALIZAÇÕES – O texto foi atualizado em 24/7/2023 com a introdução da parte sobre a manifestação da FEPAM. E atualizado também em 1º/8/2023 com a informação da data da próxima reunião do Conselho, em 22/8/2023

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