Artigo de Rualdo Menegat — Emergência Climática: agravantes e causas nas cheias do Taquari

Por Rualdo Menegat*

Inundações súbitas não são raras na natureza. Uma grande precipitação em pouco tempo eleva em poucas horas o nível de água dos canais fluviais em até 10m! Em muitos lugares não há tempo sequer para fuga. A inundação do Taquari-Antas foi um exemplo.

A grande precipitação por conta de um ciclone extratropical foi a causa principal.

Mas há fatores agravantes, relacionados à geomorfologia da bacia hidrográfica, uso do solo nas cabeceiras e ocupação de áreas ribeiras e uso dos recursos hídricos. E há a crise climática.

1. Agravante geomorfológico: os cursos d’água que afluem ao lago Guaíba e segmento final do Jacuí (Jacuí-Mirim, Antas-Taquari, Caí, Sinos, Gravataí) tem suas nascentes no Planalto Meridional e despencam até a Depressão Periférica com um gradiente de até 900m. A corrente fluvial ganha alta velocidade e logo se acumula nos baixios da Depressão Periférica onde se encontram grandes aglomerados urbanos, como o do Taquari e o da Região Metropolitana de Porto Alegre. O resultado é um agravamento da precipitação, que faz o nível subir nas baixadas rapidamente.

2. Agravante do uso do solo nas cabeceiras e ocupação das áreas ribeiras: Por um lado, o desmatamento, em especial das matas ripárias, e a destruição generalizada dos banhados de toda zona de cabeceiras, mas não apenas esta, aumenta enormemente o volume e a velocidade de escoamento superficial e, com isso, o volume de água dos canais fluviais. Mais água e mais rápido alcançam os canais maiores situados a jusante. A água da chuva não fica estocada nos banhados, nos solos das matas e pouco recarrega os aquíferos. Ela simplesmente passa e se acumula nas zonas baixas. Por outro lado, nas zonas baixas, a ocupação urbana não respeitou limites de inundação em canais fluviais que tipicamente situam-se em zonas baixas de sopé de escarpa, portanto, sujeitos às inundações súbitas (flash flood). Nessas regiões, não só o planejamento urbano deveria ter sob estrito controle a ocupação de áreas ribeiras, bem como ter sistemas eficientes de alerta em casos de excepcionalidade.

3. Uso dos recursos hídricos: a instalação de barragens de hidrelétricas em canais fluviais em áreas de inundação súbita, como as das bacias supracitadas, deveria considerar seriamente os riscos implicados. Poderiam essas barragens além da produção de energia também atuar como possíveis reguladoras de vazões excessivas? Quais os planos de emergência em caso de ruptura das barragens? Estão claramente delimitadas as áreas de inundação a jusante em caso de ruptura? Quais os procedimentos em caso de inundação súbita? Se as barragens fizessem o exercício da responsabilidade sobre os riscos em caso de ruptura, certamente as áreas a jusante teriam melhores sistemas de alerta e funcionariam em caso de inundações súbitas naturais. O fato de não ter havido esses sistemas na última inundação, significa que operadores de tais barragens não estão assumindo suas responsabilidades ordinárias. Se a água transpassou a altura das mesmas, como anunciou uma das operadoras, não deveria ter acionado alertas?

Em conclusão: o que vemos é um total descaso para a gestão das águas dentro de uma visão ecossistêmica e sociossistêmica.

O resultado é de caos territorial, risco aumentado e desamparo às populações. A emergência climática em curso requer exatamente que nos preparemos para uma nova visão de gestão das águas e do território, muito mais efetiva e integrada, como nunca fizemos antes.

Para começar, é preciso que todos esses municípios duramente atingidos pelos últimos ciclones neste ano no RS decretem imediatamente ‘emergência climática’, como prevê os planos de resiliência do IPCC.e da ONU. Municípios, universidades também podem decretar emergência climática.

O Estado do RS poderia ser pioneiro nisso, ou nossas façanhas atuais de nossos mandatários vexatoriamente se resumem a cortar árvores de parques urbanos?

Isso implica em elaborarmos planos de ação para os próximos 10, 20 e 30 anos. Os últimos desastres que assistimos em nosso rincão, e aqueles que vimos proliferar-se como nunca em todos os demais rincões do planeta neste ano de 2023 (que se inscreveu inclementemente na história da emergência climática) já são mais que suficientes para sairmos da letargia de colocarmos os problemas na conta dos ‘desastres naturais’. Estes, existiram no século passado.

No presente século, os desastres são claramente desnaturais, porque provocados pela ação humana seja na causa – emissões de CO2 – seja nas consequências – má gestão territorial, das águas e dos riscos.

Por isso, Sr. Governador, não adianta vestir colete de defesa civil para aparecer nas fotografias. É preciso que governantes vistam desde já de forma ordinária um novo colete de emergência climática e que preparemos e encorajaremos a sociedade a enfrentar os desafios que se colocam no século XXI.

  • O autor é Professor no Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS. Geólogo. Doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem pela UFRGS. Doutor Honoris Causa pela UPAB/Peru. Íntegra do Currículo Latttes. O autor encontra-se em encontro científico na Bolívia. Publicado no AgirAzul.com sob autorização do autor.

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