Justiça libera obras no Harmonia

Abaixo, a íntegra da decisão do Desembargador Marcelo Bandeira Pereira, da 21a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, que suspende a liminar concedida pela 10a. Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, que havia determinado a paralisação das obras no Parque da Harmonia / Parque Maurício Sirotski Sobrinho. A decisão foi assinada eletronicamente às 17h15min.

Entendeu o magistrado que “De todos os elementos constantes nos autos, o que se verifica é a existência de prejuízo em caso de paralisação das obras, considerando, especialmente, que a supressão vegetal e a terraplanagem estão praticamente concluídas, restando agora justamente os arremates que trarão os benefícios inicialmente propostos”

Antes de divulgar sua decisão, o magistrado dialogou com a Prefeitura de Porto Alegre e representantes dos autores. O entendimento do Desembargador Bandeira Pereira se aplica aos Agravos interpostos pela Prefeitura Municipal, empresa concessionária e  ACAMPARH – Associação dos Acampados da Estância da Harmonia.

A decisão que foi suspensa foi noticiada pelo AgirAzul.comveja neste link.

Agravo de Instrumento Nº 5236656-71.2023.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Flora

  • AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE
  • AGRAVADO: ALDA TEREZINHA LOPES MILLER
  • AGRAVADO: GUILHERME VALLS DARISBO
  • AGRAVADO: HELENA BARRETO DOS SANTOS
  • AGRAVADO: JEFFERSON MAGUETA TREVISAN
  • AGRAVADO: JOAO TELMO DE OLIVEIRA FILHO
  • AGRAVADO: KARIN POTTER
  • AGRAVADO: LIGIA MARIA DE FARIA MIRANDA
  • AGRAVADO: MARCELO SGARBOSSA
  • AGRAVADO: MONTSERRAT ANTONIO DE VASCONCELLOS MARTINS
  • AGRAVADO: VERA MOEMA BEHS

DESPACHO/DECISÃO

  1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE em face de decisão proferida nos autos da ação popular ajuizada por ALDA TEREZINHA LOPES MILLER, GUILHERME VALLS DARISBO, HELENA BARRETO DOS SANTOS, JEFFERSON MAGUETA TREVISAN, JOAO TELMO DE OLIVEIRA FILHO, KARIN POTTER, LIGIA MARIA DE FARIA MIRANDA, MARCELO SGARBOSSA, MONTSERRAT ANTONIO DE VASCONCELLOS MARTINS e VERA MOEMA BEHS, em que também figura no polo passivo GAM3 PARKS SPE S. A., na qual concedida a medida liminar para determinar a suspensão total e imediata das obras em andamento no “Parque da Harmonia”.

Alega que no Estudo de Viabilidade Urbanística, que tem por finalidade identificar os impactos que um empreendimento poderá gerar em determinado local, não é exigido o apontamento do quantitativo de supressão vegetal da área. A autorização de manejo arbóreo só é emitida após a aprovação do projeto arquitetônico, antes da emissão do alvará de construção. O EVU apenas aponta as diretrizes gerais vinculantes do empreendimento. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental não detém competência para o exame do projeto arquitetônico, mas apenas para dizer se entende pertinente ou não o empreendimento. Argumenta que as alterações ao projeto arquitetônico objetivaram melhor adequar as intervenções a serem realizadas, sem alterar a viabilidade urbanística. Afirma ser rigorosa a fiscalização das obras do Parque Harmonia, que são visitadas semanalmente por fiscais do Município. Quando da implementação do empreendimento, foi autorizada a supressão de 435 árvores, sendo cada uma delas compensada por outras 4,38. Posteriormente, foi detectada a necessidade de supressão de apenas 103 árvore. Destas, 40 apresentavam risco iminente de queda e outras duas estavam mortas. Atualmente, a empresa postulou a supressão de mais 13 para finalização das obras. Haverá a compensação com o plantio de 480 espécimes nativos. Muitas das árvores retiradas eram exóticas. O número suprimido corresponde a aproximadamente 13% do total de vegetais do Parque, devendo ser considerado de baixo impacto. Sustenta que o calçamento está sendo realizado com materiais que possibilitam o escoamento das águas pluviais, diminuindo o risco de alagamentos. A pavimentação tem previsão tanto no EVU, aprovado pela Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE) e pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), quanto no projeto arquitetônico. O Ministério Público, após receber notícia do fato, descartou pedir interrupção das obras. Todos os esclarecimentos requeridos foram prestados às autoridades. Aponta risco na suspensão das obras, considerando que as intervenções na natureza já foram realizadas. Há, ainda, a necessidade de conclusão de algumas etapas para sediar os festejos de 20 de setembro. Requer a revogação da medida liminar concedida na origem.

É o relatório.

Decido.

  1. Recebo o agravo de instrumento e adianto, desde logo, a concessão da antecipação de tutela buscada.

O provimento em que apreciada a atribuição de efeito ativo a agravo caracteriza-se, estruturalmente, pelo seu caráter provisório, no sentido de perdurar até que sobrevenha o julgamento do recurso.

O que importa, neste plano, é o se saber se é possível manter-se o “status quo” durante a tramitação do recurso, a esses efeitos se exigindo, por certo, a ponderação acerca dos interesses em xeque, identificando onde maior o risco ou o dano, se na manutenção desse estado, com o qual a parte convivia ao tempo da interposição da irresignação, ou se na pronta interferência na situação prática vivenciada.

Disso resulta que, para o deferimento da tutela em liminar, não basta o mero risco de lesão. Esse já é pressuposto sopesado pelo legislador para definição das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento no Código de Processo Civil (CPC). Deve haver, ainda, um plus; um risco de lesão qualificada, que transcende a mera interposição do agravo, e que autoriza a concessão do efeito ativo, alcançando, desde logo, a tutela indeferida na origem. Isso, sob pena de se estabelecer um efeito ativo automático, sempre que interposto o recurso.

Por isso é que o art. 995, parágrafo único, condiciona a concessão do efeito ativo/suspensivo, às hipóteses em que “houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”.

No caso, a decisão proferida no juízo de origem baseia-se principalmente em reportagens de veículos de comunicação e depoimentos de arquitetos que participaram da elaboração do projeto de reforma do Parque Harmonia, especialmente de Alan Cristian Furlan, ex-diretor do consórcio e sua esposa, Eliana Castilhos, autora do Estudo de Viabilidade Urbanística.

Primeiramente, questão que salta aos olhos é a ausência de um exame técnico em condições de suportar a afirmada, na decisão agravada, supressão da vegetação em desacordo com as autorizações concedidas pelo Município de Porto Alegre e se, de fato, houve alteração do projeto inicial.

Como se vê, há meras transcrições de matérias jornalísticas, as quais foram produzidas com base em depoimentos dos profissionais mencionados.

De acordo com a Autorização Especial de Remoção Vegetal 08.02/2022, a GAM3 Parks estava autorizada a remover 435 árvores do Parque Harmonia para a realização do empreendimento, ficando obrigada a compensar ambientalmente com o plantio de 1.906 mudas de espécies arbóreas nativas (Evento 59, ANEXO10 e ANEXO13).

A Responsabilidade Técnica de Alan Cristian Furlan vigorou até 29/06/2023, quando foi desligado do consórcio. Até aquele momento, já haviam sido suprimidas 103 espécimes, de acordo com o ANEXO15 da petição inicial do agravo de instrumento nº 5235483-12.2023.8.21.7000, interposto por GAM3 Parks. Ou seja, a totalidade dos exemplares suprimidos até o momento.

Causa espécie que, embora fosse o responsável técnico quando aprovada a autorização para remoção dos vegetais (dezembro de 2022), somente agora tenha levado denúncia à imprensa.

O Consórcio, inclusive, afirma em seu recurso que “Alan, até aproximadamente 60 dias atrás, era Diretor Operacional da Concessionária, tendo sido destituído por justa causa”, fato que pode ter gerado desavenças entre o arquiteto e o empregador.

Ademais, para conclusão do empreendimento a concessionária comprometeu-se a suprimir apenas mais 13 árvores, o que resultaria na supressão total de 116, resultado da compatibilização final de projeto e busca de alternativas para preservação, número que está muito aquém do que havia sido inicialmente autorizado.

A decisão proferida na origem, assim, equivoca-se ao afirmar que as obras “conduzirão praticamente à extinção de 1/3 das árvores do Parque da Harmonia, já que previsto sejam extirpadas mais de 400 árvores do local”, quando deverá representar, em tese, aproximadamente 10%.

Cabe ressaltar, ainda, que a denúncia foi levada ao Ministério Público, o qual descartou a necessidade de tomada de medidas judiciais ou interrupção das obras. Com base em parecer de sua equipe técnica, foram apenas apontadas sugestões que se limitam à elaboração de um relatório pela concessionária (evento 1, PARECER26, deste recurso).

E porque muito da análise se baseia no exame das imagens aéreas, apesar de se tratar de uma obra de grandes dimensões e que, por isso, demanda uma intervenção significativa, consigno que o aterramento e as escavações estão sendo realizados em local que antes, predominantemente, era coberto por vegetação rasteira, ou mesmo sem vegetação, como no espaço que era destinado à cancha de rodeio (Evento 59, ANEXO20).

Ainda, ao que tudo indica, não há que se falar em prejuízo à drenagem e escoamento de águas. Pelo contrário, há obra para concretização no local de um sistema hidrossanitário (água, esgoto e drenagem), até então pouco eficaz ou inexistente.

No mais, a petição inicial da ação popular, para além das matérias jornalísticas, poucas considerações tece acerca de quais seriam as alterações do projeto inicial. Colaciono o único ponto que trata da questão, in verbis:

“Cabe apontar algumas irregularidades identificadas nas matérias que estão disponíveis na internet, destacando, contudo, que a impossibilidade de acessar os autos do processo administrativo, limita sobremaneira qualquer análise mais aprofundada por falta de dados. Ainda assim, há desacordo entre que o consta no Caderno de Encargos e a execução que está sendo divulgada.

Voltando ao Caderno de Encargos, temos as seguintes diretrizes:

4.2.2. A implantação do PARQUE DA HARMONIA deverá atender aos parâmetros estabelecidos no item 4.5 “Parâmetros Urbanísticos”, que versa sobre as regras permitidas para ocupação do solo. [grifou-se]
4.5.7. As edificações deverão possuir no máximo 12 (doze) metros em relação ao perfil natural do terreno da ÁREA DA CONCESSÃO. [grifou-se]
4.6.11. Os projetos deverão ter como base os princípios de uma arquitetura sustentável, visando o mínimo impacto ao meio ambiente e à paisagem. [grifou-se]

No documento, ficou estabelecido a altura de 12 m para edificações que viessem a ser construídas, no entanto, em meados de 2022, foi pedida a alteração dos limites de altura. Segundo site da Prefeitura de Porto Alegre,

De acordo com o parecer técnico da Diretoria de Planejamento Urbano, o limite de altura de 25 metros será aceito no interior do parque, onde não trará interferência à paisagem urbana. Contudo, a altura de 12 metros seguirá sendo o limite para novas edificações no perímetro do parque, de acordo com o Plano Diretor. Quanto às atrações e elementos figurativos, como a roda gigante, será permitida altura de 72 metros. [grifou-se]

Com a polêmica da devastação do parque, chegou ao conhecimento da sociedade civil a alteração do projeto, como já citado, que levou a denúncia ao Ministério Público de Contas, conforme matéria do Sul21:

O documento também questiona o aumento dos índices de construção previstos no edital original de concorrência pública, considerando que foram feitos depois da assinatura do contrato. A Prefeitura de Porto Alegre permitiu elevar de 12 metros para 25 metros as edificações que serão construídas no parque, assim como o aumento da altura da roda gigante para 72 metros. Ambas mudanças foram permitidas após o projeto original ser aprovado no Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU). [grifou-se]

Para se ter uma ideia do impacto de construções nas alturas requeridas e autorizadas, segue uma simulação feita Acesso Cidadania e Direitos Humanos

(…)

Por fim, importante citar o Decreto Municipal n° 20.782/2020, que regulamenta o procedimento de justes de projetos arquitetônicos aprovados. O art. 1° do decreto estabelece que os pedidos só poderão ter deferência expressa, deslocando a responsabilidade por qualquer dano ao autor do projeto, se ficarem restritos a um aumento de até 30% da área do projeto originalmente aprovado. Ainda, esse mesmo artigo, em um de seus parágrafos disciplina: “§ 4º Em se tratando de imóvel localizado em área de interesse cultural e em área de volumetria 01, será respeitada a quota ideal”.

Portanto, é necessário fazer uma comparação entre o projeto original e o executado, para se determinar quais foram efetivamente as alterações que alegam os arquitetos que elaboraram o projeto e seu significado, frente às normas do decreto.”

Ora, supondo a plausibilidade das alegações, ainda assim não haveria razão para, no momento, suspender a totalidade das obras, uma vez que uma edificação de 25 metros não se ergue do dia para a noite, tampouco será a roda gigante de 72m instalada imediatamente.

De todo modo, sendo esta a alteração que estaria em desacordo com aquilo que foi aprovado, bastaria, em sede liminar, a suspensão da realização desta obra, e não de todo o empreendimento.

De todos os elementos constantes nos autos, o que se verifica é a existência de prejuízo em caso de paralisação das obras, considerando, especialmente, que a supressão vegetal e a terraplanagem estão praticamente concluídas, restando agora justamente os arremates que trarão os benefícios inicialmente propostos.

  • Ante o exposto, defiro o efeito suspensivo postulado.

Comunique-se;

  1. Intime-se a parte recorrida para o oferecimento de contrarrazões;
  2. Após, ao Ministério Público para parecer;


[Documento assinado eletronicamente por MARCELO BANDEIRA PEREIRA, Desembargador Relator, em 4/8/2023, às 17:15:15, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20004221017v35 e o código CRC 4b538b90.

Next Post

Seminário vai discutir a relação "jornalismo e ativismo ambiental"

dom ago 6 , 2023
A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a Associação Riograndense de Imprensa (ARI), o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental da Universidade Federal do RS (Ufrgs) e o Núcleo de Ecojornalistas (NEJ-RS) do RS promovem nesta e na próxima semana painéis sobre a prática do jornalismo profissional e […]

Você pode gostar também:

Send this to a friend