A Juíza de Direito Gabriela Dantas Bobsin, em regime de plantão na noite desde domingo (30/7/2023), suspendeu de forma imediata as obras em execução no Parque da Harmonia em Porto Alegre. As obras estão sendo realizadas pela GAM3 Parks com todo o apoio da Prefeitura Municipal, inclusive da Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade.
O Município deverá recorrer à Presidente do Tribunal de Justiça solicitando que suspenda a execução liminar alegando falsamente “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” (art. 15 da Lei 12016/2009) ou entrar com algum outro tipo de recurso. A Presidente do TJRS, Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, poderá negar a solicitação.
O Ministério Público Estadual instaurou recentemente um inquérito civil público para investigar as diversas denúncias sobre a devastação no local mas avaliou que não era o caso de solicitar imediatamente a suspensão das obras. Ver em AgirAzul.com.
A Prefeitura Municipal confirmou em nota que irá recorrer da decisão. Juridicamente, poderá ser proposto alguma medida perante ao Tribunal de Justiça ou mesmo um pedido de reconsideração da decisão encaminhado à própria magistrada que determinou a suspensão das obras. Na nota, a Prefeitura chama a devastação realizada na área como “obras de revitalização”.
Abaixo a íntegra da decisão da magistrada Gabriela e links para mais informações:
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre
Rua Manoelito de Ornelas, 50 – Bairro: Praia de Belas – CEP: 90110230 – Fone: (51) 3210-6500 – Email: frpoacent10vfaz@tjrs.jus.br
AÇÃO POPULAR Nº 5145927-44.2023.8.21.0001/RS
- AUTOR: VERA MOEMA BEHS
- AUTOR: MONTSERRAT ANTONIO DE VASCONCELLOS MARTINS
- AUTOR: MARCELO SGARBOSSA
- AUTOR: LIGIA MARIA DE FARIA MIRANDA
- AUTOR: KARIN POTTER
- AUTOR: JOAO TELMO DE OLIVEIRA FILHO
- AUTOR: JEFFERSON MAGUETA TREVISAN
- AUTOR: HELENA BARRETO DOS SANTOS
- AUTOR: GUILHERME VALLS DARISBO
- AUTOR: ALDA TEREZINHA LOPES MILLER
- RÉU: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE
- RÉU: GAM3 PARKS SPE S.A.
DESPACHO/OFÍCIO
Vistos.
Trata-se de ação popular ajuizada por VERA MOEMA BEHS, MONTSERRAT ANTÔNIO DE VASCONCELLOS MARTINS, MARCELO SGARBOSSA, LÍGIA MARIA DE FARIA MIRANDA, KARIN POTTER, JOÃO TELMO DE OLIVEIRA FILHO, JEFFERSON MAGUETA TREVISAN, HELENA BARRETO DOS SANTOS, GUILHERME VALLS DARISBO e ALDA TEREZINHA LOPES MILLER emface do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE e de GAM3 PARKS SPE S.A. Em síntese, sustentam a ocorrência de diversos danos ambientais, paisagísticos e ao patrimônio cultural perpetrados pela concessionária ré no Parque Harmonia, bem como a omissão do Município de Porto Alegre em fiscalizar. Alegam que as obras realizadas no local extrapolam o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA). Requerem, liminarmente, a suspensão das obras em andamento no Parque Harmonia e, ao final, a condenação dos demandados em repor as árvores ilegalmente retiradas através do transplante de árvores adultas para os mesmos locais, bem como outras medidas que reponham a flora local (evento 1, INIC1). Acostados documentos.
Eis o sucinto relatório.
Os autores comprovaram a legitimidade para a propositura da ação constitucional (at. 1º, par. 3º, da Lei nº 4.717/65).
Inicialmente, acerca da ação popular, a Constituição Federal de 1988 estabelece que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
A Lei nº 4.717/65, que regula a Ação Popular, por sua vez dispõe que:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
§ 1º – Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
Os fatos noticiados pelos autores são gravíssimos e estão amparados por evidências de que a iniciativa privada, com a permissão do Município, promove verdadeira devastação em área do conhecido “Parque da Harmonia”, que conservava até então substancial número de espécies arbóreas e fauna que igualmente necessita ser alvo de proteção. As fotografias apresentadas demonstram que onde existia vegetação foi aberta uma “clareira”, com máquinas e implementos, inclusive retroescavadeira, agindo no local de modo a descaracterizá-lo totalmente evento 1, DOC27
A parte autora foi pródiga ao juntar matérias jornalísticas dando conta de reuniões levadas a efeito na Câmara Municipal, envolvendo entidades e integrantes da sociedade civil, inclusive profissionais que atuaram na elaboração do projeto original aprovado pelo Conselho do Plano Diretor, dando conta de que o projeto foi alterado indevidamente, ou seja, de forma unilateral, sem ser submetido aos órgãos de controle, resultando na devastação ora denunciada.
Consta que a arquiteta autora do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), Eliana Castilhos, declarou em Sessão da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam), do dia 11/07/2023, que “O projeto em implantação não é o que foi aprovado. Não é uma mudança, são várias. E não foram autorizadas. A legislação pede que sejam autorizadas por escrito pelo autor e isso não foi respeitado”.
Além disso, em reportagem apresentada, há menção de que:
“O arquiteto Alan Cristian Furlan, ex-diretor do consórcio e um dos responsáveis pela elaboração do projeto de reforma, afirma que o que está em execução não é o projeto inicial aprovado pelo Conselho do Plano Diretor e autorizado pela prefeitura da Capital.
— Aprovamos o plano de intervenções dentro da prefeitura e depois o EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística). A GAM3 optou por chamar outra empresa, que fez esse procedimento incorreto sem a nossa autorização, e começaram a executar essa nova versão — menciona.
O arquiteto destaca que o projeto inicial mexeria com pouco mais de cem árvores, e que o “projeto deles (o atual) mexeria com 432.” O profissional fez uma denúncia formal ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU- RS) e ao próprio MP, no qual teve o apoio do vereador Aldacir Oliboni (PT) e das entidades ambientais Ingá Estudos Ambientais, Acesso e Atuapoa”.
Referem os autores, ainda, que:
“No site da Prefeitura de Porto Alegre5, dentro da seção Parcerias Porto Alegre, estão disponíveis os documentos relativos à concessão do parque. Analisando-se o Caderno de Encargos observa-se o que se segue.
B2.1 Da preservação das características do parque e mínimo de interferência 1.3. Durante o PRAZO da CONCESSÃO, a CONCESSIONÁRIA deverá observar todos os requisitos mínimos e específicos deste CADERNO DE ENCARGOS e preservar e valorizar os elementos intrínsecos que caracterizam a ÁREA DA CONCESSÃO, tais como, seu caráter de espaço público, seus recursos naturais e o ACAMPAMENTO FARROUPILHA. [grifou-se] 1.9. As atividades operacionais e de obras inerentes à execução do CONTRATO deverão ocasionar o mínimo de interferência negativa possível no uso da ÁREA DA CONCESSÃO, no seu entorno e na sua vizinhança, observada a legislação vigente e pertinente à CONCESSÃO, nos termos do CONTRATO. [grifou-se] 1.10 Os projetos deverão considerar a utilização de materiais e conceitos arquitetônicos, urbanístico, construtivos que proporcionem a máxima integração entre os PARQUES integrantes da ÁREA DA CONCESSÃO e seu entorno, com o mínimo impacto ao meio ambiente e à paisagem local. [grifou-se] 4.1.7 Todas as INTERVENÇÕES deverão priorizar o conceito da sustentabilidade e atentar para o mínimo impacto ao meio ambiente e à paisagem e atendendo todas as normas vigentes. [grifou-se] 4.1.8. Para tal, as edificações deverão ser projetadas de modo a tornálas integradas à paisagem, considerando, inclusive a realização do ACAMPAMENTO FARROUPILHA, valorizando a relação entre os USUÁRIOS e a ÁREA DA CONCESSÃO, com soluções que produzam o menor impacto possível, como, por exemplo coberturas verdes, e volumetria que se integre à paisagem, privilegiando a permeabilidade visual e estabelecendo conexões com os espaços abertos. [grifou-se] 4.1.10. Todas as obras a serem realizadas deverão obedecer às legislações e normas brasileiras aplicáveis, sejam federais, estaduais ou municipais, incluindo as legislações ambientais e as do Corpo de Bombeiros. [grifou- se] 5.1.4.3. Quando ocorrer a supressão de um indivíduo arbóreo, a CONCESSIONÁRIA deverá substituí-lo na própria ÁREA DA CONCESSÃO, de acordo com norma vigente, preferencialmente, por espécie nativa da região. [grifou-se] 5.1.4.14. A CONCESSIONÁRIA deverá zelar pela fauna e flora presentes na ÁREA DA CONCESSÃO, monitorando as espécies, tamanhos populacionais, distribuição na área da ÁREA DA CONCESSÃO, de modo a avaliar o impacto do uso e ocupação na fauna flora, sua relação com as variáveis físicas do ambiente e para subsidiar o desenho de estratégias de conservação e manejo destas espécies e seu habitat. [grifou-se]
De todo o reunido na inicial, verifica-se que as intervenções que deveriam ser mínimas conduzirão praticamente à extinção de 1/3 das árvores do Parque da Harmonia, já que previsto sejam extirpadas mais de 400 árvores do local, além de obras de arte e do acervo histórico e cultural portoalegrense, patrimônio imaterial irrecuperável, sem contar que desalojada a fauna ali presente e que se valia da vegetação para a sobrevivência, no rigoroso inverno. Não se tem notícias das providências quanto à fauna, pois das fotos do “canteiro de obras” não se visualiza a existência de pessoas especializadas catalogando ou removendo os espécimes para local seguro e não se tem notícia de que o que resta do parque seja suficiente para os espécimes que sobraram.
Em reportagem publicada pelo Sul 21, em 10/07/2023, quando entrevistado Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Coordenador-Geral do Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), declarou:
“Inicialmente 435 árvores estão sendo cortadas de imediato, os campos quase todos desaparecem, deixando quero-queros, pica-paus-do-campo, sabiás, joão-de-barro, caturritas, outras dezenas de espécies, incluindo gambás, sem habitat e sem alimento”, afirma Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador-geral do Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).”
Na mesma reportagem constou que:
“Tal como descrito no estudo, o Parque Harmonia praticamente não existe mais após as obras de aterramento, nivelamento e terraplanagem feitas pela empresa Gam3 Parks, concessionária do local pelos próximos 33 anos. Além do fim da paisagem campeira que caracterizava o parque, estão previstas a remoção de 435 árvores, o que representa 31,7% das 1.361 árvores que a empresa informa que existiam quando assumiu o Harmonia. Até o momento, 102 árvores já foram removidas.”
Ao que tudo indica o “Parque da Harmonia” se encaminha para a extinção, a pretexto de cumprimento de concessão pública para transformação e descaracterização completa da área verde que integra patrimônio da sociedade portoalegrense, piorando sobremaneira a qualidade do ar, a refrigeração no local pela substituição excessiva do verde natural por materiais artificiais e combinados, degradando a fauna silvestre.
Ademais, a Lei Complementar nº 434/1999, que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, prevê:
Art. 87. A modificação não autorizada, a destruição, a remoção, a desfiguração ou o desvirtuamento da feição original, no todo ou em parte, em Áreas Especiais, Lugares e Unidades de Interesses Ambientais, limitados aos bens inventariados ou tombados, nas Áreas de Interesse Cultural e nas Áreas de Ambiência Cultural, sujeitam o infrator às seguintes penalidades: (Alterado pela L.C. n° 646, de 22 de julho de 2010).
I – interdição de atividade ou utilização incompatíveis com os usos permissíveis; II – embargo da obra; III – obrigação de reparar os danos que houver causado ou restaurar o que houver danificado ou reconstituir o que houver alterado ou desfigurado; IV – demolição ou remoção de objeto que contrarie os objetivos de preservação; V – em caso de destruição de edificação Tombada e Inventariada de Estruturação, sem autorização do Poder Executivo, o imóvel terá o potencial construtivo limitado ao equivalente à área construída existente anteriormente à destruição; VI – aplicação de multa nos termos da lei. (NR) [grifou-se]
Portanto, a única alternativa para o momento, quando já se acumulam danos perpetrados a olhos vistos da população, é o embargo da obra, pelo menos até que aportem esclarecimentos suficientes no sentido de que está ocorrendo o manejo adequado e responsável da área por parte da concessionária, na medida em que há muita probabilidade do direito alegado pelos autores, além do perigo de dano na continuação das intervenções.
Isso posto, DEFIRO A LIMINAR para determinar a suspensão total e imediata das obras em andamento no “Parque da Harmonia”, objeto da concessão à demandada GAM3 PARKS SPE S.A.
Tendo em vista a urgência alegada, determino a intimação do Município e do Ministério Público mediante e-mail, sem prejuízo da regular intimação eletrônica via sistema Eproc.
Intime-se por mandado, a ser cumprido inclusive pelo Plantão Judiciário, se for o caso, a demandada GAM3 PARKS SPE S.A, sob pena de multa diária a ser arbitrada pelo Juízo.
Citem-se, com prazo de 20 dias.
Intimem-se os Conselhos conforme requerido nos itens d e e constantes dos pedidos da inicial.
Dil. legais.
Documento assinado eletronicamente por GABRIELA DANTAS BOBSIN, Juíza de Direito, em 30/7/2023, às 23:33:56, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php? acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10043122882v15 e o código CRC cccebad6.
Mais informações:
— MP vistoria Parque da Harmonia e obras vão prosseguir sob fiscalização, em AgirAzul.com
— InGá oferece informações complementares sobre o Parque da Harmonia. (PDF)
Texto do jornalista João Batista Santafé Aguiar, editor do AgirAzul.com. Contém opinião. Permitido reprodução citando-se a fonte. Para contatos e envio de materiais, acessar este link. Foto divulgação.