Três membros titulares do CMDUA – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre assinaram a Moção sobre a ilegalidade da deliberação da Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre e a entregaram na noite desta quarta-feira (9/7/2025), uns minutos antes de iniciar a reunião do CMDUA. Os três são os Conselheiros Felisberto Seabra Luisi, da Região de Planejamento 1 (centro da cidade), Fernando Campos Costa pela ONG Amigas da Terra, e Eber Pires Marzulo, pela UFRGS. Entendem que existe uma impossibilidade jurídico-administrativa de deliberação sobre o conteúdo da proposta de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre (2025), apresentada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
O presidente dos trabalhos, titular da secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre não estava no local alegando problema de agenda, e logo depois começou a reunião do Conselho a partir do banco de trás de um veículo e terminou o encontro em outro local. Quem recebeu o documento foi a secretária executiva do colegiado, Gabriela Brasil, da Assessoria Jurídica do órgão, das mãos do Professor Paulo Brack, membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente, que não está em funcionamento. Brack também registrou para a secretária sua discordância em relação ao não funcionamento do COMAM.
O documento é entregue há apenas dois dias depois de o Governo Municipal disponibilizar as minutas de Leis e documentos que teriam resultado de um longo tempo de construção para modificações do atual Plano Diretor. Trata-se de uma Moção solicitada por três conselheiros e provavelmente terá que ser levada ao plenário do CMDUA para ser apreciada.
Julgamento no Tribunal de Contas: Pontal Shopping, CMDUA e CAUGE
O texto da Moção fala (item 7) em processo em julgamento no Tribunal de Contas sobre irregularidades no licenciamento e na concessão do habite-se do Pontal Shopping, em Porto Alegre quando teria sido desobedecido o que havia sido aprovado resultando num edifício que não contou com um andar térreo com visão direta ao Guaíba (o que depois foi tentado remediar com um acordo para implantar uma parede verde pelo Leroy Merlin). Expediente 32090-0200/23-9.
Os interessados que aparecem no expediente são Germano Bremm e Sebastião Melo.
Sob o comando do Secretário Bremm, a Secretaria “concedeu ‘Habite-se’ sem comprovação documental das condições de atendimento ao EVU. A instrução Normativa da SMAMUS nº 005/22 editada pelo Secretário em contradição ao Decreto nº 18/886/14 também contribuiu para a ocorrência de falhas significativas no processo de aprovação e licenciamento“, teriam constatado os auditores do TCE a partir de denúncia do Vereador Jonas Reis.
O julgamento iniciou em 17 de junho de 2025 com o relator Conselheiro Renato Luís Bordin de Azeredo acompanhando o parecer do Ministério Público de Contas e condenando o secretário do meio ambiente e urbanismo de Porto Alegre ao pagamento multa e a obrigação do Prefeito Melo executar diversas medidas para melhorar a governança em casos análogos. Foi dito também que técnicos municipais membros da Comissão aprovaram o EVU – Estudo de Viabilidade Urbanística sem cuidar da compatilização de plantas e fachadas. Alguns representantes do Município no CMDUA também participam da CAUGE, a comissão que aprova ou desaprova os EVUs.
Defesa: Secretário não teria ingerência e os servidores concursados seriam os responsáveis pelas irregularidades
— A defesa dos dois interessados argumentou que o expediente teria perdido o objeto, ou seja, o motivo pelo qual está tramitando não se sustentaria mais por decorrência de um tempo enorme entre o funcionamento do Shopping e o julgamento. E também que “fica muito difícil sustentar que o secretário municipal tenha tido ingerência efetiva para flexibilização de normas, diante de técnicos concursados, estáveis, que fizeram essas análises e que tem a competência para a realização dessas análises“, afirmou a defesa. Afirmou que a concessão de ‘habite-se’ é um ato ‘rigorosamente vinculado’ (ao que os técnicos colocam no processo). O protocolo para o empreendimento aconteceu em 2012 e o ‘habite-se’ é resultado final de uma sequência. “E a atitude do secretário, tão logo que teria sabido das irregularidades, foi a de notificar o empreendedor para que corrigisse os defeitos na condução do procedimento”. Na realidade, houve notificações mas o edifício já estava construído (ver Zero Hora de 2 de junho de 2023, coluna de Paulo Germano) e a Prefeitura e a empresa concordaram em esverdear uma parede da Leroy Merlin que dá para a avenida em frente.
Destacou também, o advogado defensor, que para a penalização do gestor, na linha do Tribunal de Contas da União e do STF, é necessário haver erro grosseiro ou o dolo
Os técnicos que se cuidem — Afirmou a defesa ainda que: “sendo um procedimento para concessão de habite-se e licenciamento vigorosamente ato administrativo, um procedimento administrativo vinculado, tendo esse procedimento administrativo vinculado sido conduzido por técnicos, engenheiros, arquitetos, concursados, estágios de forma leve, como poder-se ir a pensar na caracterização de erro grosseiro por parte do secretário de meio ambiente que permitisse uma penalidade ou ainda uma imputação de qualquer tipo de débito?”, fazendo questão de repetir o argumento.
Voto do Relator
Constatou o Conselheiro Azeredo ter havido irregularidades na aprovação do licenciamento bem como na fiscalização da execução das obras. Reconheceu “suficientemente caracterizada a necessidade de aplicação de sanções ao responsável técnico pelas alterações realizadas no projeto e na sua execução”.
Citando o parecer do Ministério Público, o Conselheiro afirmou: “Portanto, este parquet entende que a flexibilização do controle sobre a intervenção privada na área urbana caracterizada como de interesse cultural, e a aquiescência, quanto ao processo de licenciamento e de aprovação que desatendeu as diretrizes do estudo de viabilidade urbanística, inclusive por meio da concessão de habite-se sem comprovação documental das condições estabelecidas no EVU, violam o dever de cuidado exigido de qualquer agente público. Tal conduta constitui, assim, o erro grosseiro a que alude o art. 28 da LINDB, legitimando a imputação de multa ao Secretário Municipal”
Caso mantido o voto do Relator, após a finalização do julgamento em futuro próximo, o Prefeito Municipal de Porto Alegre deverá no prazo de 90 dias, a contar da intimação da decisão:
- Estabelecer ações mitigadoras e compensatórias, substituindo aquelas excluídas do termo de compromisso firmado pelo próprio empreendedor, a fim de atender aos impactos identificados no estudo de impacto ambiental e rima.
- Criar estrutura de governança, a fim de garantir a atuação independente do Conselho do Plano Diretor e da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento.
- Identificar e corrigir incongruências e lacunas na legislação sobre o objeto deste processo.
- Providenciar a instauração de processo disciplinar para apuração de responsabilidade dos agentes públicos que agiram em desacordo com a legislação aplicada
- Aplicar sanções ao responsável técnico pelas alterações realizadas no projeto e na sua execução, tendo em vista o teor do art. 5º e parágrafo único do art. 8º do Decreto nº 21.393, de 2022.
E, no âmbito do TCE:
- Determinar o controle interno no município de Porto Alegre, que acompanha o cumprimento desta decisão, devendo comunicar a este Tribunal de Contas eventual descumprimento sob pena de responsabilização solidária.
- Determinar o Serviço de Auditoria Competente, que faz o acompanhamento da matéria.
- Dar ciência da decisão aos Conselhos Profissionais, CREA-RS e CAU-RS, bem como ao Ministério Público Estadual, com vistas à adoção de medidas que entenderem pertinentes no âmbito das suas respectivas competências.
- E dar ciência da decisão ao Poder Legislativo Municipal.
Ou seja, o Relator entende que a coincidência de nomes compondo a CAUGE e o CMDUA colaboram com falta de independência nos pareceres e votos.
Vista — Após o voto do Relator, a Conselheira Daniela Zago solicitou vista do processo. Falta ainda o voto do terceiro componente da 1a. Câmara do Tribunal de Contas.
Texto opinativo sobre as minutas do Plano Diretor
Nesta quinta-feira o Matinal Jornalismo publicou um texto de avaliação de autoria do editor do site AgirAzul.com sobre os primeiros artigos das propostas do Município para a nova lei do Plano Diretor de Porto Alegre. O texto foi replicado à tarde no AgirAzul.com
Decisão do TJ liberou reuniões algumas horas antes da reunião de ontem
Os subscritores estavam preparando o texto (ver abaixo) há alguns dias e não sabiam, quando entregaram o documento, ontem à noite, da decisão do Tribunal de Justiça e por isto alguns conteúdos estariam prejudicados.
O desembargador Leonel Pires Ohlweiler, da 3a. Câmara Cível do TJ, despachou às 13h56min da tarde concedendo o efeito suspensivo ao cumprimento da decisao de primeiro grau. Considerou o magistrado que “o recurso de apelação é dotado de efeito suspensivo por decorrência expressa do “caput” do citado artigo 1.012 do CPC” entendendo que a situação não se enquadrava em nenhuma das hipóteses em que cumprimento da decisão deve ser cumprida imediatamente.
Entendeu ainda que “há probabilidade de provimento do recurso do SINDUSCON, considerada a preliminar de nulidade da sentença por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário (art. 114 do CPC), tendo em vista que se trata de entidade eleita para compor o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) para a Gestão 2024/2025, cuja anulação do processo eleitoral pela sentença interfere diretamente na sua esfera jurídica, cuja ausência de participação no feito viola, aparentemente, o devido processo legal e as garantias do contraditório e da ampla defesa”
As apelações interpostas pelo Município de Porto Alegre e pelo SINDUSCON (Sindicato das Indústrias da Construção Civil) ainda serão julgadas pelo colegiado de três desembargadores da 3a. Câmara Cível provavelmente em 2026. Será a ocasião do julgamento do mérito da Ação impetrada por diversas entidades —(site do TJRS – processo 5065660-51.2024.8.21.0001).
Documento: Manifestação Técnica e Jurídica da Minoria Qualificada do CMDUA sobre a Ilegalidade da Deliberação da Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre (2025)
1, Introdução
A presente moção tem como objetivo formalizar a manifestação de conselheiro/s do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (CMDUA), na condição de minoria qualificada, acerca da impossibilidade jurídico-administrativa de deliberação sobre o conteúdo da proposta de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre (2025), apresentada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Fundamentada em preceitos legais, constitucionais, normativos e urbanísticos. Esta moção se assenta sobre os pilares do princípio da legalidade, da transparência, da participação social qualificada e da função institucional deste Conselho.
2. Da ausência da minuta legislativa e da documentação normativamente exigida
A revisão do Plano Diretor é um processo de natureza eminentemente legislativa e vinculada ao princípio da legalidade estrita. Conforme o art. 40 do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), a elaboração e revisão do Plano Diretor deve ser precedida por diagnóstico, definição de diretrizes, audiências e debates públicos, culminando na produção de minuta de projeto de lei. Esta minuta deve conter o texto articulado da proposta, as disposições gerais e transitórias, quadros de parâmetros urbanísticos, mapas normativos, fichas técnicas e memoriais descritivos das zonas.
A Prefeitura de Porto Alegre não apresentou durante a apresentação aos conselheiros a minuta do projeto de lei que pretende submeter à Audiência Pública dia 09 de agosto e subsequentemente a Câmara de Vereadores. Em seu lugar, foram fornecidas apenas apresentações públicas de cunho ilustrativo, genéricas, fragmentado e, em sua maioria, não normativo. Tais documentos não são suficientes para permitir análise técnica, jurídica ou urbanística de qualquer natureza, uma vez que não há definição clara dos parâmetros legais previstos e aplicáveis, as zonas de ordenamento, os usos permitidos ou instrumentos vinculantes que só se perfectibilizam com a minuta da lei.
Sem a exposição da norma proposta a este Conselho, cumpre que este ficou impedido de exercer sua função legal de controle social do planejamento urbano. A simples apresentação de slides e diretrizes genéricas não supre a exigência formal.
3. Da ausência de parâmetros técnicos e mapas georreferenciados
A apresentação de mapas normativos é requisito imprescindível para a compreensão do modelo de ocupação proposto, sua compatibilidade com os instrumentos de zoneamento e os impactos esperados. Contudo, os mapas fornecidos até o momento têm caráter meramente ilustrativo, sem escala técnica, sem sobreposição com zonas existentes, sem indicação de usos do solo ou densidades permitidas.
Ademais, não foram apresentados os quadros de parâmetros urbanísticos por Zona de Ordenamento Territorial (ZOT), tais como: Coeficiente de Aproveitamento, Taxa de Ocupação, Gabarito, Taxa de Permeabilidade, recuos, usos permitidos e condicionados, regime volumétrico, entre outros. A ausência desses dados impossibilita a análise da coerência da proposta com os princípios da função social da propriedade, do direito à cidade e da equidade territorial.
4. Da ausência de sistematização das contribuições participativas
Embora o Relatório Síntese (2025) registre a realização de mais de 140 atividades participativas, incluindo oficinas, conferências e seminários, não foram publicamente disponibilizados os relatórios sistematizados das contribuições sociais coletadas, tampouco os critérios de incorporação, compatibilização ou rejeição das proposições efetuadas pela sociedade civil nestes eventos. Essa ausência fere o art. 40, § 4º do Estatuto da Cidade, que exige participação efetiva e não meramente formal no processo de revisão do plano. Além disso, contraria os princípios da transparência, da motivação administrativa e do controle social, previstos na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e na Constituição Federal.
5. Da ausência de estudos de impacto urbano, ambiental e socioeconômico
Toda proposta de revisão do Plano Diretor que implique alteração de zoneamento, adensamento, reestruturação de zonas e introdução de novos instrumentos urbanísticos deve ser acompanhada de estudos de impacto. Isso inclui Estudos de Impacto Urbano, Ambiental, de Mobilidade, Habitacional, entre outros. Tais estudos devem estar fundamentados em dados atualizados, com projeções e simulações que orientem decisões técnicas e jurídicas.
Não foi apresentada qualquer simulação sobre os impactos das transformações propostas na densidade urbana, no sistema viário, nos custos de infraestrutura, nas áreas ambientalmente sensíveis ou no valor da terra urbana. É ilegal deliberar sobre alterações estruturantes do ordenamento territorial sem a devida análise dos efeitos sobre o meio ambiente urbano, o que pode configurar inclusive omissão administrativa ambiental.
6. Da insegurança jurídica gerada pela tentativa de deliberação prematura
A ausência de documentos legais e técnicos essenciais compromete a validade do processo de revisão e pode ensejar a nulidade de todo o procedimento, inclusive por vício de forma, de motivação e de competência. A aprovação de diretrizes ou mapas sem respaldo normativo é ato administrativo ilegítimo, nulo de pleno direito, podendo ensejar responsabilização civil, administrativa e eventualmente criminal dos agentes responsáveis.
No plano institucional, essa situação expõe o CMDUA a uma função meramente homologatória, em afronta à sua missão legal como instância deliberativa e de controle social qualificado, conforme previsto no art. 182 da Constituição Federal e no plano diretor vigente (LC 434/99).
6.1 Da Ilegalidade da Composição do CMDUA e dos Atos Deliberativos Correlatos
Conforme amplamente reconhecido em decisões proferidas nas ações judiciais nº 5205519-19.2023.8.21.0001 (Ação Popular, 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre) e nº 5065660-51.2024.8.21.0001 (Ação Ordinária, 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital), foi declarada a nulidade do processo eleitoral do CMDUA de 2024, em razão de vícios insanáveis, notadamente a ausência de publicidade, violação aos critérios de paridade e exclusão de entidades aptas.
Essas decisões são válidas, eficazes e vinculantes, e determinaram a suspensão do funcionamento do CMDUA até sua recomposição legítima. A tentativa de manter deliberações durante este período — inclusive em relação à revisão do Plano Diretor e à alteração da Instrução Normativa nº 04/2021 — configura flagrante violação ao princípio da legalidade (CF, art. 37, caput), à ordem judicial (CPC, art. 330), além de poder configurar ato de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992, art. 11).
6.2 Da Ilegal Alteração da Instrução Normativa nº 04/2021
A alteração da Instrução Normativa nº 04/2021, sob a condução de um Conselho com composição suspensa judicialmente, suprimindo dispositivos essenciais de controle social e participação popular, como os mecanismos de validação e consolidação das proposições oriundas da sociedade civil.
Referida alteração sem respaldo legal e fere os arts. 2º, II e XIII, e 40, § 4º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), bem como o princípio da gestão democrática das cidades (CF, art. 182). Tal medida representa ato administrativo ilegítimo, viciado de origem e nulo de pleno direito (Lei nº 9.784/1999, art. 2º, caput e par. único, VI).
6.3 Da Omissão Climática e da Violação ao Dever de Prevenção de Riscos
O processo de revisão do Plano Diretor em curso omite gravemente os efeitos e as lições da catástrofe climática de 2024, que causou a inundação de grandes porções do território urbano de Porto Alegre. Essa omissão viola diretamente os arts. 2º, VI e XIV, 39 e 42-A do Estatuto da Cidade, que impõem o dever legal de integrar medidas de mitigação e adaptação climática no planejamento urbano.
A exclusão de medidas estruturantes para enfrentamento de riscos ambientais urbanos, especialmente em zonas de vulnerabilidade habitacional e ambiental, representa grave omissão administrativa com potencial violação ao princípio da prevenção ambiental (art. 225 da CF) e ao direito fundamental à moradia e à cidade sustentável (art. 6º da CF, interpretação conjunta com o art. 182).
6.4 Da Fragmentação Normativa e Favorecimento de Interesses Privados
Durante o período de irregularidade do CMDUA, diversos projetos de grande impacto urbanístico foram aprovados — como a LC nº 930/2021 (Centro Histórico), LC nº 935/2022 (Fazenda do Arado), LC nº 960/2022 (4º Distrito) — à revelia do Plano Diretor. Tais medidas demonstram um padrão de fragmentação do planejamento urbano com finalidades específicas e setoriais, em desacordo com o modelo integrador previsto no art. 40 do Estatuto da Cidade.
Tal estratégia infringe o princípio da função social da propriedade urbana (CF, art. 5º, XXIII e art. 182, § 2º) e configura desvio de finalidade (Lei nº 9.784/1999, art. 2º, par. único, VI e VII), especialmente diante de indícios de vínculo entre tais projetos e agentes financiadores da gestão municipal, conforme denúncias registradas na imprensa e referenciadas em Nota Técnica veiculada na mídia.
A revisão do Plano Diretor de Porto Alegre deve respeitar os preceitos constitucionais do artigo 182 da Constituição Federal e os dispositivos do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que regulam a política urbana mediante planejamento participativo, controle social e garantia de função social da propriedade.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no RE 607.940/DF, reconhece o Plano Diretor como norma dotada de eficácia jurídica plena e vinculante, sendo o único meio legítimo para regular o uso e ocupação do solo no âmbito municipal. Qualquer alteração urbanística relevante fora de sua estrutura
normativa configura ofensa ao princípio da legalidade e à hierarquia normativa urbana.
A disputa sobre o plano diretor é também uma disputa sobre os critérios legítimos para se determinar os rumos da cidade, pois o plano diretor é mais que um documento técnico: é norma urbanística estruturante e vinculante, com função jurídica e política.
7. Da Contaminação Institucional do CMDUA e das Irregularidades Apontadas recentemente pelo TCE/RS: Implicações para a Legalidade da Revisão do Plano Diretor
Pareceres recentes emitidos pelo Ministério Público de Contas junto ao TCE/RS revelam fragilidades graves na gestão orçamentária, contábil e de transparência dos fundos públicos municipais, incluindo desvios e desvinculações indevidas de recursos dos fundos de habitação, mobilidade e infância. Tal conduta viola diretamente os princípios constitucionais da legalidade, finalidade, transparência e moralidade administrativa (CF, art. 37).
Requer-se, também, que o processo de revisão do Plano Diretor observe os apontamentos do TCE/RS no Parecer MPC nº 2494/2025, especialmente no que tange à recomposição e transparência dos fundos afetos a políticas urbanas estruturantes, como habitação e mobilidade, sob pena de se consolidar um ambiente de insegurança fiscal e orçamentária incompatível com a gestão urbana democrática e responsável.
O processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre está materialmente comprometido pela falta de legitimidade, imparcialidade e capacidade técnico-institucional do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), conforme reconhecido em diferentes instâncias de controle externo.
O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Parecer MPC nº 11.488/2024, identificou graves irregularidades no funcionamento do CMDUA e da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE), particularmente no licenciamento e concessão de habite-se para o empreendimento Shopping Pontal. Embora a composição do CMDUA à época não seja a mesma que atualmente integra o Conselho, a estrutura administrativa e as diretrizes técnicas permanecem sob responsabilidade da mesma Secretaria Municipal (SMAMUS), indicando a permanência de uma matriz institucional e normativa que pode comprometer a confiabilidade do processo de revisão do Plano Diretor.
Este contexto não implica imputação individual de responsabilidade à atual composição do CMDUA, mas reforça a necessidade de cautela redobrada e controle social ampliado, tendo em vista os vícios históricos identificados pelos órgãos de controle externo, cujos efeitos podem persistir na estrutura administrativa e normativa vigente.
Adicionalmente, a atuação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS) promoveu flexibilizações indevidas por meio da edição de instruções normativas em contradição com o ordenamento vigente, como a IN nº 005/2022, em desacordo com o Decreto nº 18.886/2014, comprometendo a legalidade dos processos de licenciamento urbanístico.
Esses fatos, somados à denúncia formal acolhida pelo Ministério Público de Contas sobre o funcionamento irregular do CMDUA, apontam para a ausência de capacidade institucional legítima para deliberar sobre temas estruturantes do ordenamento urbano da cidade, como é o caso da revisão do Plano Diretor.
Ressalta-se, ainda, que o processo de eleição do CMDUA encontra-se sub judice, com decisão judicial de primeira instância que declarou sua irregularidade formal, cuja apelação interposta ainda não foi submetida ao juízo de admissibilidade pelo Tribunal competente. Embora juridicamente se reconheça a presunção de validade dos atos administrativos até decisão definitiva em sentido contrário, é igualmente legítimo afirmar que paira sobre a composição atual do CMDUA uma controvérsia judicial relevante e não resolvida, o que impõe cautela institucional acrescida na condução de deliberações de alta complexidade e impacto estruturante, como a revisão do Plano Diretor.
Dessa forma, qualquer processo decisório conduzido por tal conselho encontra-se, prima facie, contaminado por vício de legalidade, nos termos dos arts. 2º e 53 da Lei nº 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo Federal), podendo ser declarado nulo de pleno direito, inclusive com reflexos em responsabilização administrativa, cível e penal.
Ainda, a Lei nº 13.655/2018, que introduziu alterações à LINDB, prevê em seu art. 28 que o agente público responderá pessoalmente por decisões tomadas com dolo ou erro grosseiro, sendo este último caracterizado pela “grave inobservância do dever de cuidado”, segundo entendimento consolidado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesse contexto, a presente moção não declara a nulidade formal dos atos, mas reafirma o princípio da prudência administrativa e do controle social preventivo, defendendo a suspensão do processo de revisão do Plano Diretor até que haja recomposição legítima e indiscutível do órgão deliberativo competente, conforme previsto na legislação urbanística nacional (Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, art. 40, §4º).
Tal providência visa resguardar os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e finalidade pública (CF, art. 37, caput), e garantir que o futuro Plano Diretor de Porto Alegre não seja produto de um processo eivado de controvérsias jurídicas e técnicas, mas sim de um pacto institucional legítimo, transparente e democraticamente conduzido.
8. Dos requerimentos
Diante de todo o exposto, os conselheiros abaixo-assinados requerem:
- – Que seja imediatamente suspenso qualquer processo de deliberação ou aprovação de diretrizes ou propostas parciais relativas à revisão do Plano Diretor, até a recomposição legítima e validada judicialmente do CMDUA;
- – Que seja garantida a publicação e disponibilização integral, ampla e acessível da minuta do Projeto de Lei de revisão, acompanhada de:
- mapas georreferenciados com escala adequada;
- fichas normativas por ZOT;
- estudos de impacto urbanístico e ambiental;
- relatório de diagnóstico e prognóstico da cidade;
- relatório qualificado de todas atividades com respectivas presenças nominais;
- sistematização das contribuições da sociedade civil com respostas técnicas fundamentadas;
- – Que seja retomado o processo participativo com mecanismos de devolutiva às regiões de planejamento e audiências públicas deliberativas com: Cronograma público e regionalizado; Metodologia clara de devolutiva às regiões de planejamento; e Audiências públicas deliberativas com base nos documentos técnicos completos;
- – Que esta moção seja registrada integralmente em ata e encaminhada ao Ministério Público Estadual, Defensoria Pública, Tribunal de Contas do Estado, Câmara Municipal de Porto Alegre, e demais órgãos de controle social;
- – Que sejam cumpridas integralmente as decisões judiciais nas ações nº 5205519-19.2023.8.21.0001 e nº 5065660-51.2024.8.21.0001, com a anulação dos atos e normativas derivados do CMDUA declarado irregular;
- A inclusão, de forma obrigatória e vinculante, de diagnósticos, mapas de risco e diretrizes climáticas no processo de revisão do Plano Diretor, em cumprimento aos arts. 39 e 42-A do Estatuto da Cidade;
- Que seja realizada auditoria jurídica e técnica independente — com participação de órgãos de controle e entidades da sociedade civil — sobre todos os atos urbanísticos aprovados desde a recomposição irregular do CMDUA, especialmente sobre projetos com fragmentação normativa ou impacto territorial relevante;
Porto Alegre, 09 de julho de 2025.
Assinam:
Felisberto Seabra Luisi
Conselheiro RGP1
Fernando Campos Costa
Amigas da Terra
Eber Pires Marzulo
Representante UFRGS
Leiam também:
— 2025-06-25 — Matéria de Lidiane Blanco para Sul21 – Auditorias do TCE e MPC concluem que houve irregularidades no licenciamento do Shopping Pontal. A reportagem traz elementos do processo no Tribunal de Contas relatando os acontecimentos antes e durante o licenciamento e o habite-se.
— 2025-07-08 — Matéria de Bruna Suptitz para o Jornal do Comércio — Prefeitura publica projetos do novo Plano Diretor de Porto Alegre
— 2025-07-09 – Matéria de Tiago Medina para Matinal Jornalismo — Com cinco anos de atraso e incerteza judicial, Plano Diretor será apresentado em agosto
— 2025-07-09 – Matéria de Paulo Egídio para GZH e Zero Hora – De limite de altura a índices construtivos: os principais pontos do projeto do novo Plano Diretor de Porto Alegre
— 2025-07-10 — Artigo: O Plano Diretor das forças de mercado
Redação do Jornalista João Batista Santafé Aguiar Assine o Canal do AgirAzul.com no WhatsApp – todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular.Link para contatos e envio de materiais para o AgirAzul—