Cientistas e sociedade civil apoiam tratado contra a poluição plástica

Na manhã desta quinta-feira, 18/4/2024, foi enviado a diversas instâncias governamentais brasileiras o Manifesto da Sociedade Civil e de Cientistas para um Tratado Global Efetivo contra a Poluição Plástica. Veja o site do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente a respeito da poluição plástica neste link.

Abaixo o documento:

Manifesto da Sociedade Civil e de Cientistas para um Tratado Global Efetivo Contra a Poluição Plástica

A crise global causada pela poluição por plásticos resulta em uma série de impactos negativos para o meio ambiente, a saúde e a segurança alimentar, além de prejuízos econômicos e à biodiversidade. De origem fóssil, a produção de plástico  intensifica outras emergências ambientais, como a emergência climática. 

Diante desse cenário alarmante, os signatários deste Manifesto exigem a implementação de um Tratado Global Contra a Poluição Plástica juridicamente vinculante, ambicioso e efetivo para reduzir a poluição por plástico e que considere todo o seu ciclo de vida, conforme o mandato da Resolução 5/14 estabelecido na 5a Assembleia Ambiental das Nações Unidas em 2022. A sociedade civil brasileira, respaldada pela ciência, ergue-se para afirmar seu compromisso com o bem comum, repudiando conflitos de interesses que ameacem a integridade desse propósito e a efetividade do Tratado Global Contra a Poluição Plástica

Diante da persistência dos “negócios como de costume” e da distorção de prioridades, expressa através de argumentos sobre “impactos econômicos” e “perda de empregos” associados à substituição e redução da produção de plásticos, é imperativo reafirmarmos o propósito fundamental que deu origem ao desenvolvimento de um instrumento internacional vinculativo para combater a poluição plástica: a conservação do meio ambiente e a garantia da qualidade de vida e da saúde humana. 

Esse objetivo só será alcançado se o Tratado considerar todo o ciclo de vida da produção de plásticos. De acordo com a ISO 14040, o ciclo de vida de um produto tem início na obtenção ou extração da matéria-prima, até sua disposição final. Na legislação brasileira, a Lei nº 12.305/2010, que regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), define o ciclo de vida do produto como a “série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final”. De acordo com essa definição, que é respaldada pela literatura científica internacional, a extração de petróleo, matéria-prima para a produção de plásticos, faz parte do ciclo de vida e, portanto, deve ser considerada na negociação deste Tratado Global Contra a Poluição Plástica.

A poluição por plásticos é um problema de saúde pública. É cientificamente comprovado que nanoplásticos e microplásticos, bem como aditivos químicos tóxicos presentes em produtos plásticos, representam um sério risco à saúde humana e à qualidade de vida. Estudos demonstram que os microplásticos aumentam o risco de ataques cardíacos e AVCs. Cientistas já encontraram partículas de plástico na corrente sanguínea, na placenta, em fetos, no pulmão e em diversos outros órgãos vitais humanos.  Além disso, há inúmeras evidências científicas dos efeitos nocivos de aditivos químicos adicionados aos plásticos ao sistema endócrino, imunológico, renal e respiratório, podendo causar câncer e danos neurais. 

A poluição plástica impõe um ônus econômico à sociedade, onerando e sobrecarregando os sistemas de saúde pública. Importante ressaltar que grupos vulneráveis são ainda mais suscetíveis a esses impactos negativos, principalmente devido à falta de saneamento básico e gestão inadequada de resíduos. Assim, reconhecemos que continuar utilizando substâncias químicas e polímeros de preocupação, que podem ser classificados como perigosos devido ao seu elevado potencial de toxicidade, impedem a transição para uma sociedade global justa e segura; portanto, eles devem ser eliminados. A falta de conhecimento sobre as substâncias químicas e suas quantidades adicionadas ao plástico exige a criação de um mecanismo global de transparência e rastreabilidade, para que as decisões sobre a gestão dessas substâncias de preocupação possam ser tomadas responsavelmente pelas autoridades, de forma a garantir, minimamente, segurança para todos os envolvidos na cadeia dos plásticos.

Além dos custos com saúde pública, os custos da poluição plástica nos ecossistemas marinhos são estimados entre US$ 6 e 19 bilhões globalmente, com prejuízos econômicos nos setores de turismo, pesca e aquicultura. Considerando as atuais tendências de produção, comércio e uso de plástico, as projeções indicam ainda um aumento desses custos. 

Os custos sociais associados ao plástico são ainda mais alarmantes, estimados entre US$ 2,2 trilhões e US$ 4,4 trilhões por ano, o que representa 3,5 a 7 vezes o valor econômico total atribuído à produção de plástico. Enquanto os benefícios econômicos da produção de plástico estão altamente concentrados em poucos países e indústrias, os custos sociais e ambientais são sentidos globalmente, impactando desproporcionalmente países em desenvolvimento, comunidades tradicionais e populações mais vulneráveis. 

Estudos mostram que o custo global das medidas para reduzir a poluição por plástico em todos os países até 2040 esteja entre US$ 18,3 e 158,4 trilhões (incluindo o custo de uma redução de 47% na produção de plástico). Se nenhuma ação for tomada, o custo dos danos causados pela poluição plástica será muito maior, podendo chegar a US$ 281,8 trilhões.

Medidas focadas no gerenciamento de resíduos não são suficientes para solucionar um problema dessa magnitude e historicamente não conseguem acompanhar a produção massiva de plásticos. É necessário priorizar medidas de não geração, reuso e reutilização do plástico, seguindo os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador, assim como da hierarquia de resíduos, já estabelecidos em outras convenções ambientais. É preciso garantia de reciclabilidade de produtos plásticos necessários, uma vez que grande parte dos rejeitos encontrados em cooperativas e associações de catadoras e catadores de materiais recicláveis contém basicamente plástico de uso único que não tem reciclabilidade ou mercado comprador para ser reintroduzido na cadeia produtiva.

Há evidências contundentes que sustentam a necessidade de ações imediatas e decisivas em nível global para limitar e reduzir a produção de plásticos, padronizar e simplificar a diversidade de plásticos e aditivos, promover a prática da transparência pela indústria e fortalecer iniciativas de monitoramento harmonizadas entre os países, bem como garantir conformidade e fiscalização para prevenir e mitigar danos adicionais. 

Como sociedade civil e comunidade científica, estamos comprometidos a fornecer os subsídios e as evidências necessárias sobre os danos ambientais, sociais e econômicos causados pela poluição plástica na saúde e no meio ambiente, incluindo seus danos nas mudanças climáticas, além dos possíveis cenários econômicos e impactos das políticas públicas e setoriais destinadas a resolver esta crise. 

É urgente concentrarmos esforços na criação de um Tratado Global Contra a Poluição Plástica eficaz e ambicioso, envolvendo todos os setores e países, para garantir uma transição justa que não deixe ninguém para trás. As organizações signatárias deste Manifesto exigem que o governo brasileiro assuma sua responsabilidade sobre a poluição por plásticos e defenda: 

  • Metas de redução legalmente vinculativas para a produção de polímeros plásticos primários, incluindo a eliminação de subsídios à essa produção.
  • Apoio à eliminação de substâncias químicas e polímeros tóxicos listados no Anexo A, por meio da criação de um mecanismo global de transparência e rastreabilidade desses aditivos.
  • Metas legalmente vinculativas e com prazos específicos, de redução da produção e comercialização de produtos plásticos de uso único problemáticos e desnecessários, dando atenção especial à etapa de design e à proibição de projetos de obsolescência programada.
  • Proibição da produção, do uso e do comércio de plásticos e produtos contendo microplásticos intencionalmente adicionados, com exceções específicas e cientificamente justificadas.
  • Definições claras de reutilização, com metas de reuso quantitativas obrigatórias a serem alcançadas por setores de alto impacto, desde que seguras para a saúde e o meio ambiente.
  • Implementação de sistemas obrigatórios de Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR) globalmente harmonizados.
  • Estabelecimento de metas de coleta seletiva e reciclagem segura com inclusão socioprodutiva de catadoras e catadores de materiais recicláveis, priorizando a redução de resíduos enviados para aterros.
  • Não incentivo à adoção de soluções inadequadas, como a incineração, a co-incineração, a recuperação energética e a reciclagem química de resíduos plásticos

O Manifesto foi enviado na manhã do dia 18/04 para a Casa Civil; Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério da Saúde; e para o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). O documento havia sido assinado por mais de 70  organizações. 

O Manifesto continua aberto para assinaturas. Junte-se a nós!

Veja o Manifesto completo com as organizações assinantes AQUI.

Assine o Canal do AgirAzul.com no WhatsApp. Todas as notas publicadas aqui e algumas mais no seu celular. Link para contatos com o AgirAzul

Sempre é bom ouvir você!

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Next Post

Veja a íntegra: Ministério do Meio Ambiente realiza seminário técnico sobre o Bioma Pampa

qua abr 24 , 2024
Realizou-se na quarta-feira, 24/4/2024, em Porto Alegre, o I Seminário Técnico-Científico das Causas e Consqüências da Supressão da Vegetação Nativa do Pampa promovido pelo Ministério do Meio Ambiente. Segundo o […]

Você pode gostar também:

Descubra mais sobre AgirAzul Notícias

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading